Na noite desta quarta-feira, após a Câmara dos Deputados rejeitar a medida provisória (MP) alternativa à elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o presidente Lula disse que a rejeição foi uma derrota imposta pelo Congresso Nacional ao povo brasileiro. Ele acrescentou que o texto buscava corrigir distorções e injustiças no sistema tributário brasileiro.
“A decisão da Câmara de derrubar a medida provisória que corrigia injustiças no sistema tributário brasileiro não é uma derrota imposta ao governo, mas ao povo brasileiro. Essa medida reduzia distorções ao cobrar a parte justa de quem ganha e lucra mais. Dos mais ricos”, escreveu o presidente.
Na publicação, Lula diz que impedir essa correção é votar contra o equilíbrio das contas públicas. Segundo ele, o que está por trás de decisão do Congreso é “a aposta de que o país vai arrecadar menos para limitar as políticas públicas e os programa sociais que beneficiam milhões de brasileiros”.
“É jogar contra o Brasil”, concluiu o presidente.
Entenda
A Câmara dos Deputados decidiu deixar vencer a medida provisória que foi editada como alternativa ao aumento do IOF, que previa a tributação de títulos de investimentos e cobranças retroativas de empresas de bets.
Pelo placar de 251 a 193, a maioria dos parlamentares votou para que ela não fosse analisada pelo plenário da Casa. Como o texto é válido apenas até esta quarta-feira, na prática, a decisão foi por rejeitar a medida.
Com o revés, o governo perde terá um impacto negativo no orçamento de R$ 46,5 bilhões até o ano que vem – são R$ 31,6 bilhões em frustração de receitas e R$ 14,9 bilhões em medidas de contenção de gastos.
A derrubada representa uma das principais derrotas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso, exatamente uma semana após a aprovação do projeto que isenta de Imposto de Renda (IR) quem ganha até R$ 5 mil.
Reforço de caixa
A medida originalmente buscava reforçar os caixas do governo com a elevação de tributação de bets e fintechs, e de alguns ativos financeiros, como Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Agropecuário (LCA), iniciativas que sofreram forte resistência também do setor produtivo. Havia ainda a iniciativa de aumentar a alíquota de Imposto de Renda sobre a distribuição de Juros sobre o Capital Próprio (JCP), de 15% para 20%, e de restringir compensações tributárias indevidas.
Para tentar um acordo, o relator da MP, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), recuou na taxação de bets e de títulos isentos, como LCI e LCA, mas manteve o aumento de imposto para fintechs. O texto final previa ainda uma cobrança retroativa sobre casas de apostas — as chamadas bets — que operaram no país antes da regulamentação do setor, com expectativa de arrecadar cerca de R$ 5 bilhões.
Além disso, a MP previa ainda iniciativas que representariam corte de gastos, como a revisão do seguro-defeso. Para este ano, a estimativa do governo era de uma receita de R$ 10,6 bilhões e uma redução de despesas de R$ 4,3 bilhões. Para o ano que vem, a previsão era de arrecadação de R$ 20,9 bilhões e corte de de R$ 10,7 bilhões. As projeções já constavam do Orçamento de 2025 e da proposta orçamentária de 2026.
Com a derrubada da medida, o governo agora precisará encontrar outras fontes de arrecadação. Uma das possibilidades, segundo o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), é o de ampliar o montante de recursos bloqueados no Orçamento deste ano, inclusive com impacto em emendas parlamentares, o que poderia chegar a R$ 10 bilhões.
Apelo de Lula
Integrantes do governo e parlamentares governistas admitiam desde ontem que não havia votos necessários para a aprovação da MP. Os articuladores ainda tentaram mudar o cenário com uma sequência de reuniões ao longo do dia para tentar angariar apoio, mas não foi suficiente. No final, a postura foi levar a proposta para voto, para que ficasse explícito quem foi contrário à medida.
A rejeição ocorre após Lula ter feito um apelo público pela aprovação da MP. O presidente disse que quem votasse contra o texto estaria “votando contra o povo brasileiro” e criticou parlamentares que associavam o tema à eleição de 2026.
— Quando algumas pessoas dizem que vão votar contra porque vai favorecer o Lula, não é o Lula que vai ganhar ou perder. Eles estão votando contra o interesse do povo pobre — afirmou o presidente, após reunião de emergência com ministros e líderes no Planalto.
Aliados de Lula veem na mobilização contra a MP uma antecipação da disputa eleitoral e afirmam que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), atuou para convencer congressistas a se posicionarem contra a medida. Segundo esses interlocutores, o discurso foi de que a aprovação da medida significaria dar R$ 30 bilhões para o petista gastar em ano eleitoral.
Procurado pela reportagem , Tarcísio negou participar de qualquer articulação envolvendo a MP.
Centrão comandou derrota do governo
A derrota reflete a consolidação de um bloco articulado entre partidos do Centrão para votar contra a MP. PP e União Brasil fecharam questão contra a proposta; o PSD liberou sua bancada, mas com orientação contrária.
O presidente do PP, Ciro Nogueira, classificou a MP como “mais um assalto ao bolso do contribuinte”.
— O nosso partido é totalmente contrário a qualquer aumento de carga tributária, principalmente com esse viés que não tem nenhum benefício para a população, a não ser ressaltar ainda mais a falta de cuidado com as contas públicas — disse o senador.
Na véspera da votação, o relator, Carlos Zarattini (PT-SP), havia aprovado o texto por margem estreita na comissão mista — 13 votos a 12 — e reconheceu que o impasse era mais político do que técnico.
— As divergências agora são de natureza política — resumiu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao pedir que o Congresso “cumprisse o acordo” construído nas negociações.
Estratégia e impasse
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também entrou na articulação para tentar evitar a derrota. A exemplo do discurso de justiça tributária adotado para defender o projeto de isenção do IR, ele argumentou que a MP não ampliava a carga tributária sobre a população mais pobre, mas apenas cobrava “a parte justa do 1% mais rico”.
— Não é mérito que está sendo discutido mais, é uma questão de natureza política — afirmou o ministro, que classificou o texto como “justo e sóbrio” e prometeu manter o compromisso com a meta fiscal mesmo após a derrota.
Com a caducidade da MP, o governo perde uma peça considerada essencial no cálculo do Orçamento e para atingir a meta fiscal prevista no arcabouço fiscal. Aliados de Haddad afirmam que há opções na mesa, mas admitem que o cenário é complicado.
Em 2025, o mais provável é aumentar o volume de despesas congeladas. Atualmente, há R$ 12,1 bilhões de gastos bloqueados e a projeção do governo é e déficit de R$ 30,2 bilhões, próximo do piso da meta, de rombo de R$ 31 bilhões.
No limite, conforme as projeções originais da MP, esse bloqueio poderia aumentar de R$ 4,6 bilhões – montante estimado em corte de despesas da medida provisória. A equipe econômica precisaria ainda contingenciar despesas pela perda de receitas que viria da proposta, de R$ 10,3 bilhões. O bloqueio ocorre quando as despesas superam o limite do arcabouço fiscal, já o contingenciamento acontece quando faltam receitas para cumprir a meta fiscal.
Para o ano que vem, a situação é mais complicada. Após o revés com a MP, o governo também deve ter dificuldade em aprovar o projeto que prevê corte linear dos benefícios fiscais, com um impacto positivo previsto de R$ 19,8 bilhões no ano que vem. Nesse contexto, embora haja opções na mesa, interlocutores da equipe econômica admitem que não há saída fácil.
Proposta orçamentária
Segundo a proposta orçamentária, a estimativa para o resultado das contas públicas em 2026 é de superávit de R$ 34,5 bilhões, marginalmente acima do centro da meta, de R$ 34,3 bilhões.
Uma alternativa seria o governo aumentar imposto por decreto. Como foi feito no IOF, também seria possível elevar IPI sem aval do Congresso. Contudo, seguir por esse caminho seria comprar outra briga com os parlamentares, assim como com setores econômicos. O envio de outros projetos arrecadatórios também devem sofrer as mesmas resistências.
No Planalto, a leitura é de que a rejeição antecipa a disputa eleitoral e consolida o afastamento entre o Executivo e partidos que até recentemente garantiam sustentação parlamentar.
No mesmo dia, Lula reuniu Haddad, Rui Costa, Gleisi Hoffmann, Jaques Wagner, José Guimarães e Randolfe Rodrigues para discutir as alternativas após a derrota. A equipe econômica estuda medidas de compensação imediata e corte de gastos para preservar a meta de resultado primário.
Receitas previstas na MP para 2025, conforme o projeto original
Apostas de quota fixa: R$ 285 milhões
Alíquota de CSLL: R$ 263 milhões
Limitação de compensação tributária indevida: R$ 10 bilhões
Receitas previstas na MP para 2026, conforme o projeto original
Apostas de quota fixa: R$ 1,7 bilhão
Alíquota de CSLL: R$ 1,58 bilhão
Limitação de compensação tributária indevida: R$ 10 bilhões
Juros sobre Capital Próprio: R$ 4,99 bilhões
Revogação da Isenção de Títulos: R$ 2,6 bilhões
Corte de despesas previstas na MP para 2025, conforme o projeto original
Atestmed: R$ 1,210 bilhão
Comprev: R$ 1,5 bilhão
Seguro-defeso: R$ 1,575 bilhão
Corte de despesas previstas na MP para 2026, conforme o projeto original
Pé-de-Meia: R$ 4,818 bilhões
Atestmed: R$ 2,616 bilhões
Comprev: R$ 1,550 bilhão
Seguro-defeso: R$ 1,703 bilhões
Com informações da fonte
https://extra.globo.com/economia/noticia/2025/10/camara-derrotou-o-povo-brasileiro-diz-lula-sobre-rejeicao-a-mp-alternativa-ao-iof.ghtml
Câmara 'derrotou o povo brasileiro', diz Lula sobre rejeição à MP alternativa ao IOF

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