Jacira Roque de Oliveira era, com certeza, muitas pessoas em uma só. Conhecida como Dona Jacira, ela era mãe do rapper Emicida e de Fióti — além de Katia e Katiane. Escritora, poeta, artista plástica e artesã talentosa, ela morreu na segunda-feira (28), aos 60 anos, em São Paulo. Durante décadas, conviveu com lúpus e fazia hemodiálise há mais de 25 anos.
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A escritora gostava de realçar ainda a sua formação em desenvolvimento humano. “Dona Jacira foi uma mulher detentora de tecnologias ancestrais de sobrevivência e resistência que construíram um legado enorme para a as artes e para a cultura afrobrasileira”, diz uma nota publicada em conjunto pelos quatro irmãos.
“Esse legado será levado adiante por sua família e todas as pessoas que tiveram sua vida impactada e transformada por sua presença de cuidado, amor, luz e fé neste plano”, acrescenta o texto.
De acordo com a revista Veja, Dona Jacira se casou aos 13 anos e teve seus quatro filhos antes dos 25 — criando a maior parte deles sem a presença do marido, que morreu algum tempo depois. “Não tinha mais possibilidade de vida pra mim. Todas as coisas que eu queria fazer não eram aceitas nem pela escola nem pela minha comunidade. A gente sempre ia sendo preparado para ser empregada doméstica. E como é uma coisa que eu nunca pensei em ser….. Então o que acontece? A gente vai sendo esvaziado daquilo que a gente quer ser. Eu não via mais possibilidade”, disse ela em entrevista à publicação.
Em uma música lançada em 2016, Emicida lançou uma música em homenagem à Dona Jacira. Assinada pela própria mãe do rapper, a letra narra histórias reais vividas pela escritora ao longo de sua história, como quando era empregada doméstica. Veja a música a seguir.
Um sorriso no rosto, um aperto no peito
Imposto, imperfeito, tipo encosto, estreito
Banzo, vi tanto por aí
Pranto, de canto chorando, fazendo os outro rir
Não esqueci da senhora limpando o chão desses boy cuzão
Tanta humilhação não é vingança, hoje é redenção
Uma vida de mal me quer, não vi fé
Profundo ver o peso do mundo nas costa de uma mulher
Alexandre no presídio, eu pensando em suicídio
Aos oito anos, moça, de onde ‘cê tirava força?
Orgulhosão de andar com os ladrão, trouxa
Recitando Malcolm X sem coragem de lavar uma louça
Papo de quadrada, 12, madrugada e pose
As ligação que não fiz tão chamando até hoje
Dos rec no Djose ao hemisfério norte
O sonho é um tempo onde as mina não tenha que ser tão forte
Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
A sós nesse mundo incerto
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
Outra festa, meu bem, tipo Orkut
Mais de mil amigo e não lembro de ninguém
Grunge, Alice in Chains
Onde ou você vive Lady Gaga ou morre Pepê e Neném
Luta diária, fio da navalha, marcas? Várias
Senzalas, cesárias, cicatrizes
Estrias, varizes, crises
Tipo Lulu, nem sempre é so easy
Pra nós punk é quem amamenta, enquanto enfrenta guerra, os tanque
As roupas suja, vida sem amaciante
Bomba a todo instante, num quadro ao léu
Que é só enquadro e banco dos réu, sem flagrante
Até meu jeito é o dela
Amor cego escutando com o coração a luz do peito dela
Descreve o efeito dela, “Breve, intenso, imenso”
Ao ponto de agradecer até os defeito dela
Esses dias achei na minha caligrafia
A tua letra e as lágrima molha a caneta
Desafia, vai dar mó treta
Quando disser que vi Deus
Ele era uma mulher preta
Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
A sós nesse mundo incerto
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
O terceiro filho nasceu, é homem
Não, ainda é menino
Miguel bebeu por três dias de alegria
Eu disse que ele viria, nasceu
E eu nem sabia como seria
Alguém prevenia, filho é pro mundo
Não, o meu é meu
Sentia a necessidade de ter algo na vida
Buscava o amor nas coisas desejadas
Então pensei que amaria muito mais
Alguém que saiu de dentro de mim e mais nada
Me sentia como a terra, sagrada
E que barulho, que lambança
Saltou do meu ventre e contente
Parecia dizer, “É sábado gente”
A freira que o amparou tentava reter
Seus dois pezinhos sem conseguir
E ela dizia, “Mais que menino danado
Como vai chamar ele, mãe?”
“Leandro”