‘Trens rigorosamente vigiados’, de Bohumil Hrabal, inspirou o longa de Jiří Menzel, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1968 (hoje, a categoria tem o nome de ‘filme internacional’). O livro, um clássico tcheco, acompanha as angústias afetivas e sexuais de um controlador de trens na Tchecoslováquia sob ocupação nazista. É a beleza resistindo ao horror da guerra, como mostra a resenha de Luis Campagnoli.
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Entre os lançamentos da semana temos o jornalista Paulo Vinicius Coelho se debruçando sobre vida e obra de Pelé, uma reportagem de Bruno Abbud sobre os traficantes da elite brasileira, dos que entregam maconha orgânica aos empresários que controlam o transporte aéreo de cocaína, e uma instigante reflexão sobre a inteligência artificial a partir da psicanálise.
‘Trens rigorosamente vigiados’, de Bohumil Hrabal. Tradução: Luís Carlos Cabral. Editora: 34. Páginas: 128. Preço: R$ 57. | Cotação: ótimo.
De séculos em séculos surgem autores que, por terem criado obras tão extraordinárias, têm suas vidas transformadas em mito. Não são incomuns menções a Homero, que compôs a “Odisseia” e viveu quase mil anos antes de Cristo, nunca ter existido; e que se existiu não era grego, tudo por seu nome poder ser traduzido como “refém”. Shakespeare é outro que, até hoje, insistem não ter sido alguém de carne e osso, ou no máximo ter sido um plebeu que recebeu os créditos pelos poemas e peças teatrais de algum nobre inglês.
Da existência do escritor tcheco Bohumil Hrabal, que nasceu em 1914, ninguém duvida. Mas quanto a sua morte, em 1997, inventaram uma lenda. Reza que o motivo de ele ter caído da janela do hospital em que estava internado foi estar tentando alimentar pombos. A cena tragicômica já pegou e não precisa ser desmentida, pois combina com a prosa graciosa, singela e, sobretudo, compassiva do autor.
Os leitores brasileiros podem comprovar essas e outras qualidades no recém-lançado “Trens rigorosamente vigiados”, primeiro livro de Hrabal publicado no Brasil com tradução direta do tcheco. Trata-se de um romance curto, ou uma novela, que à época de seu lançamento original, em 1965, foi muito bem recebido, inclusive sendo adaptado ao cinema no ano seguinte — contando com roteiro do próprio Hrabal e arrematando o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1967.
É a história de Miloš Hrma, um jovem que trabalha numa pequena estação de trem na Tchecoslováquia ocupada pelos nazistas. O vilarejo em que fica a estação segue a regra imposta pela Segunda Guerra Mundial: está tomado por violência e mortandade. Miloš é virgem, namora Máša e sofre de ejaculação precoce, o que não lhe permite consumar seu amor e sentir-se homem.
Pode parecer um bobo, mas encapa-se de heroísmo, primeiro, por observar o mundo com originalidade em meio ao terror: “[tinham] as patas estendidas para o céu como colunas sobre as quais descansava o invisível portal celeste”, relata ele sobre três cavalos mortos que os alemães jogaram de um vagão na vala ao lado dos trilhos.
Depois, em apoteose, Miloš é herói também à maneira convencional, num ato de resistência contra os nazistas. Entretanto, mesmo quando combate o inimigo, não abandona a compaixão: “Ele também era um ser humano, […] não tinha condecoração nem patente, e mesmo assim nós atiramos um no outro e nos matamos, mas se tivéssemos nos encontrado em trajes civis teríamos provavelmente gostado um do outro e conversado”.
Em “Trens rigorosamente vigiados”, a história da Humanidade confunde-se com a particular. No desejo de mostrar-se homem, na perda da virgindade e da inocência, Miloš não apenas conquista desenvolvimento pessoal, imediato e pueril; também descobre que se prepara para agir em prol de mais do que a si mesmo: “Daqui a 20 minutos vai chegar o meu trem carregado de munição e eu vou poder fazer uma coisa grandiosa, porque não sou mais um lírio murcho. Eu jamais seria capaz de imaginar que dentro de mim cabia tanta força.”
O posfácio que integra o volume, escrito pela professora tcheca Šarka Grauová especialmente para a edição brasileira, corrobora essa confusão entre geral e particular, citando o próprio autor: “[“Trens rigorosamente vigiados”] é a minha primeira literatura engajada, porque de repente percebi que essa minha história não era apenas minha, mas que era uma história de várias pessoas, talvez de milhões.” Hrabal devia saber que nessas milhões de pessoas não estavam só as daquele período; estávamos também nós, hoje, obrigados a lidar com o fato de que nazistas estão presentes, identificáveis e em busca de poder no mundo.
A professora Grauová, contextualizando toda a obra de Hrabal, chega a uma definição precisa do que passa a ser a literatura do autor em momento crucial de sua carreira: “O texto que flui sem parar como um rio e conserva toda a energia emocional da palavra viva será doravante a marca registrada de Hrabal.” Que o diga “Aulas de dança para idosos e avançados” (1964), um romance inteiro composto por uma única frase, com um único ponto-final, ainda aguardando por tradução no Brasil.
Luis Campagnoli é mestre em Ciência da Literatura pela UFRJ
‘Inconsciente cibernético’
Autor: Marcos Bassini. Editora: Bazar do Tempo. Páginas: 100. Preço: R$ 30.
Dramaturgo e psicanalista, o autor analisa a inteligência artificial à luz dos conceitos psicanalíticos, sugerindo um tema contemporâneo e controverso: o inconsciente cibernético. Segundo Bassini, o avanço da IA exige um debate ético e profissional sobre os limites e o papel da tecnologia na saúde mental. O texto reforça que questões como a experiência subjetiva do sujeito não são redutíveis a algoritmos.
Autor: Paulo Vinicius Coelho. Editora: Planeta. Páginas: 272. Preço: R$ 68,90.
Jornalista esportivo há quase quatro décadas, o autor mergulha na história de Pelé, um gênio do futebol que estreou profissionalmente aos 16 anos, passou 18 anos vencendo mais do que os maiores craques do planeta, aposentou-se e, desde então, continua sendo comparado a craques como Eusébio, Cruyff, Maradona, Messi ou Cristiano Ronaldo, entre muitos outros. E continua batendo todos eles.
Autora: Rodrigo Natividade. Editora: Imã. Páginas: 160. Preço: R$ 64.
Em seu romance de estreia, Rodrigo Natividade explora as nuances de um relacionamento entre um homem negro e uma mulher branca, após encontro casual no Rio. Embora o estilo remeta à obra de Annie Ernaux, a quem o autor dedica parte do livro, a narrativa transborda em pathos, recusando a ficção em favor da “realidade das coisas”, ecoando o que há de melhor nos romances de formação.
Autor: Bruno Abbud. Editora: Zahar. Páginas: 312. Preço: R$ 79,90.
Este livro-reportagem apresenta os traficantes da elite no Brasil. Numa realidade paralela ao cotidiano da guerra às drogas nas periferias, emergem diversas tramas e os mais variados tipos: dos jovens de classe alta que fazem delivery de maconha orgânica nos bairros mais nobres de São Paulo aos empresários que controlam o transporte aéreo de cocaína, ligando produtores e clientes no Brasil.
‘Antônia Marzullo — A atriz que falava com os olhos’
Autor: Nelson Marzullo Tangerini. Editora: Autografia. Páginas: 278. Preço: R$ 60.
Avó de Marília e Sandra Pêra, Antônia Marzullo ganha uma biografia que acompanha sua trajetória como matriarca e sobretudo como atriz dedicada ao teatro, embora também tenha trabalhado no rádio e no cinema — fazendo parte, por exemplo, do clássico “O ébrio” (1946), dirigido por Gilda de Abreu e protagonizado por Vicente Celestino. Nascida em 1894, no Rio de Janeiro, ela estreou nos palcos em 1920.
- 1. ‘Oliver Twist’, Charles Dickens (Unesp)
- 2. ‘É só um jogo’, Eduardo Moreira (Civilização Brasileira)
- 3. ‘A hora da estrela’, Clarice Lispector (Rocco)
- 4. ‘O segredo final’, Dan Brown (Arqueiro)
- 5. ‘A empregada’, Freida McFadden (Arqueiro)
- 6. ‘A cabeça do santo’, Socorro Acioli (Companhia das Letras)
- 7. ‘Água viva’, Clarice Lispector (Rocco)
- 8. ‘A hipótese do amor’, Ali Hazelwood (Arqueiro)
- 9. ‘A paixão segundo G. H.’, Clarice Lispector (Rocco)
- 10. ‘A biblioteca da meia-noite’, Matt Haig (Bertrand)
- 1. ‘Café com Deus Pai Vol. 6 – 2026’, Júnior Rostirola (Vélos)
- 2. ‘Estudos sobre a personalidade autoritária’, Theodor W. Adorno (Unesp)
- 3. ‘Tudo o que você precisa saber sobre a Volta de Jesus’, David Augusto (Vida)
- 4. ‘Coisa de rico’, Michel Alcoforado (Todavia)
- 5. ‘Brasil no espelho’, Felipe Nunes (Globo Livros)
- 6. ‘Mãe, me conta a sua história?’, Elma Vliet (Sextante)
- 7. ‘Sociedade do cansaço’, Byung-Chul Han (Vozes Nobilis)
- 8. ‘Café com os santos’, Luiz Alexandre Solano Rossi (Paulus)
- 9. ‘Mulheres que correm com os lobos’, Clarissa Éstes (Rocco)
- 10. ‘Vó, me conta a sua história?’, Elma Vliet (Sextante)
- 1. ‘Elo Monsters Books’, Enaldinho (Pixel)
- 2. ‘Diário de um Banana 20 – Festa insana’, Jeff Kinney (VR)
- 3. ‘Diário de um Banana 1’, Jeff Kinney (VR)
- 4. ‘O pequeno príncipe’, Antoine de Saint-Exupéry (Várias editoras)
- 5. ‘O diário de uma princesa desastrada’, Maidy Lacerda (Outro Planeta)
- 6. ‘Amanhecer na colheita’, Suzanne Collins (Rocco)
- 7. ‘Mergulho na escuridão’, Elley Cooper; Scott Cawthon (Intrínseca)
- 8. ‘As aventuras de Mike 5 – Pé na estrada’, Gabriel Dearo e Manu Diglio (Outro Planeta)
- 9. ‘Murdoku’, Manuel Garand (Sextante)
- 10. ‘Coraline’, Neil Gaiman (Intrínseca)
- 1. ‘A psicologia financeira’, Morgan Housel (Harper Business)
- 2. ‘Minutos de sabedoria’, C. Torres Pastorino (Vozes)
- 3. ‘O poder da autorresponsabilidade’, Paulo Vieira (Gente)
- 4. ‘Força, Fortaleza’, Marcelo Facchini (Citadel)
- 5. ‘Hábitos atômicos’, James Clear (Alta Life)
- 6. ‘Mais esperto que o diabo’, Napoleon Hill (Citadel Editora)
- 7. ‘O poder do subconsciente’, Joseph Murphy (Bestseller)
- 8. ‘As 48 leis do poder’, Robert Greene (Rocco)
- 9. ‘Essencialismo’, Greg McKeown (Editora Sextante)
- 10. ‘Pai rico, pai pobre’, Robert T Kiyosaki (Alta Books)

