Fux diverge de Moraes em ação da trama golpista no STF: 'Estamos julgando pessoas sem foro'

Tempo de leitura: 14 min




O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ao votar no julgamento da ação penal do núcleo crucial da trama golpista que a Corte está julgando réus sem foro privilegiado. Ele se manifestou contra a tramitação do processo no STF e afirmou que a mudança no entendimento que tornou possível a análise “gera questionamentos sobre casuísmos”. O posicionamento representa uma divergência em relação ao relator do caso, Alexandre de Moraes, que se mostrou favorável à análise do caso no Supremo.
— Nós não estamos julgando pessoas com prerrogativa de foro. Estamos julgando pessoas que não têm prerrogativa de foro — disse Fux.
Advogados de réus no processo da trama golpista alegam que a ação deveria tramitar na primeira instância.Entretanto, um dos oito réus é o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Além disso, em março deste ano, o STF decidiu que os processos penais contra autoridades permanecem na Corte mesmo após saída do cargo.
Fux argumentou, contudo, que essa alteração na regra foi feita após os fatos que estão sendo investigados na ação penal da trama golpista.
— O Supremo Tribunal Federal mudou a competência depois depois da data dos crimes aqui muito bem apontados pelo procurador geral da República. O atual entendimento é recentíssimo.A aplicação da tese mais recente para manter esta ação no Supremo, muito depois da prática de crimes, gera questionamentos não só sobre casuísmos, mais do que isso, ofende o princípio do juiz natural e e da segurança jurídica — apontou o ministro.
Apesar da crítica do ministro, a tese definida pelo STF determina que o foro continua na Corte “ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
Fux diz entender que a interpretação correta sobre o foro privilegiado é aquela que foi definida pelo Supremo em 2018, quando a Corte restringiu a prerrogativa apenas para casos relativos a pessoas no exercício dos cargos. O ministro ressaltou que a Corte já anulou “processo inteiro por incompetência”. Em 2021, o ministro Edson Fachin, em decisão depois referendada no plenário, anulou condenação do presidente Lula na Lava-Jato com base no entendimento que o processo não poderia ter tramitado na Justiça Federal do Paraná.
Fux também afirmou que a missão da Corte é “guardar” a Constituição e afastar o juízo político da análise dos processos.
Esta ação pode condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus pela acusação de participar em uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Antes de Fux, o relator Alexandre de Moraes e Flávio Dino se manifestaram pela condenação dos acusados.
— A missão do Supremo Tribunal Federal é a guarda da Constituição. Ao contrário do Legislativo e do Executivo, não compete ao STF fazer juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado. Compete afirmar o que é legal ou ilegal. Exige objetividade. A Constituição vale para todos, inclusive no campo sensível da jurisdição criminal — disse Fux logo no início do julgamento.
O ministro acrescentou que o “juiz deve acompanhar a ação penal com distanciamento”:
— Não apenas por não dispor de competência investigativa ou acusatória, como também por seu necessário dever da imparcialidade. Aqui reside a maior responsabilidade da magistratura. Ter firmeza para condenar quando houver certeza e, o mais importante, ter humildade para absolver quando houver dúvida. A independência do juiz criminal tem como alicerce a racionalidade de seu mister, afastada do clamor social e político dos processos judiciais.
É a partir do voto de Fux que a Primeira Turma pode formar maioria ou não de votos para condenar os réus.
Fux tende a se colocar como contraponto a Moraes em alguns itens, especialmente no que diz respeito à fixação de penas e à validade da colaboração premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
Nesta terça-feira, quando o julgamento da trama golpista foi retomado com o voto do relator, Alexandre de Moraes, Fux marcou posição como contraponto ao voto. Após o relator avisar que analisaria pedidos preliminares das defesas e, em seguida, iniciaria seu voto — sem, portanto, submetê-los aos demais integrantes da Primeira Turma —, Fux avisou que iria se manifestar separadamente os questionamentos dos advogados dos réus.
Essas preliminares já haviam sido apreciadas pela Primeira Turma em fases anteriores do processo, ainda no momento do recebimento da denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A maioria dos ministros entendeu, à época, que o Supremo é competente para julgar o caso e que não havia motivo para sustar a ação penal, rejeitando as alegações das defesas.
— Só pela ordem, excelência. Vossa excelência está votando as preliminares; eu vou me reservar o direito de voltar a elas no momento em que apresentar o meu voto. Desde o recebimento da denúncia, por questão de coerência, eu sempre ressalvei ter ficado vencido nessas posições — afirmou Fux.
O ministro explicou que, embora acompanhe a dinâmica de Moraes, pretende retomar o debate sobre esses pontos quando for sua vez de votar:
— Assim como vossa excelência está indo direto ao voto, eu também vou, mas farei referência às questões processuais quando chegar a minha vez — completou.
Na resposta, Moraes destacou que todas as preliminares levantadas até agora já foram rejeitadas, muitas delas por unanimidade, e que não houve fato novo que justificasse reabrir a discussão.
— Todas as preliminares a que me referi até o momento foram votadas por unanimidade, inclusive com o voto de vossa excelência. A preliminar de incompetência do Supremo Tribunal Federal e, subsidiariamente, da Primeira Turma para processamento e julgamento, também foi afastada no momento do recebimento da denúncia, por maioria de votos — destacou o relator.
Mudança de posição
Nos últimos meses, Fux mudou sua posição nos julgamentos dos atos golpistas do 8 de Janeiro e passou a defender que os réus devem ser condenados apenas por tentativa de golpe de Estado, sem o acúmulo com o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Isso diminuiria a pena final e foi pedido por parte dos acusados da trama golpista.
O ministro também já fez ressalvas sobre a delação de Cid e deixou em aberto a possibilidade de votar para invalidar o acordo. No recebimento da denúncia, em março, Fux questionou os sucessivos depoimentos prestados por Cid, alguns com mudança de versão. Na terça-feira, voltou ao assunto:
— O senhor está me dizendo que ele foi fazer uma colaboração, a primeira oportunidade, mas depois ele não foi fazer, ele era chamado, é isso? — questionou, ao advogado Jair Alves Pereira.
A postura mais contida de Fux também ficou clara em decisões anteriores: foi o único a divergir de medidas cautelares impostas a Bolsonaro e, em caso envolvendo uma manifestante do 8 de Janeiro, defendeu pena muito inferior à fixada por Moraes, Dino e Cármen Lúcia.
Em março, quando a Primeira Turma analisava o recebimento da denúncia contra o núcleo crucial, Fux qualificou a pena da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou “perdeu mané”, como exacerbada.
— Se a dosimetria é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado. E o magistrado faz à luz da sua sensibilidade e do seu sentimento em relação a cada caso concreto. (…) Confesso que em alguns casos eu me deparo com uma pena exacerbada. Nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro. Eu fui ao meu ex-gabinete e vi mesa queimada, papeis queimados. Mas eu acho que os juízes na sua vida tem sempre que refletir dos erros e dos acertos, até porque os erros autenticam a nossa humanidade — afirmou.
Voto de Dino
Ao votar, o ministro Flávio Dino classificou Bolsonaro e o ex-ministro Braga Netto como líderes da trama golpista. Ele também disse que a Constituição veda a anistia a crimes contra a democracia. O ministro ainda rebateu o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que afirmou que o ministro Alexandre de Moraes promove uma “tirania”.
— De fato, ele (Bolsonaro) e o réu Braga Netto ocupam essa posição, eles tinham de fato o domínio de todos os eventos que estão nos autos — declarou Dino.
O ministro defendeu uma pena menor para os ex-ministros e generais Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno e o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin.
— Não há a menor dúvida de que os níveis de culpabilidade são diferentes. Essa não é uma divergência, mas uma diferença em relação ao eminente relator. Em relação a Bolsonaro e Braga Netto, não há dúvida de que a culpabilidade é bastante alta. Contudo, há uma diferença com relação a Paulo Sérgio, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem. Quando for o momento da dosimetria, eu considerarei a participação deles como de menor importância — afirmou o ministro.
Voto de Moraes
Durante seu voto, Moraes afirmou que Bolsonaro liderou a organização criminosa que tentou um golpe de Estado após a vitória do presidente Lula na eleição de 2022.
— O réu Jair Messias Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa e recebeu ampla contribuição de integrantes do governo federal e das Forças Armadas, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação de seu projeto autoritário de poder, conforme fartamente demonstrado nos autos — disse Moraes. — Jair Messias Bolsonaro foi fundamental para reunir indivíduos de extrema confiança, do alto escalão do governo federal, que integravam o núcleo centro núcleo central da organização criminosa.
As penas máximas desses crimes chegam a 43 anos de prisão. O tamanho da punição, caso Bolsonaro seja de fato condenado, será definido após todos os ministros se manifestarem. Caberá recurso em caso de condenação.
Moraes afirmou durante o julgamento que a organização criminosa praticou “atos executórios”, entre 2021 e 2023, destinados a atentar contra a democracia. Moraes destacou que houve uma preparação “violentíssima” para uma tentativa de perpetuação no poder a “qualquer custo”. Segundo ele, as ações resultaram nos atos de 8 de janeiro, que não foram “combustão espontânea”.
— Nós estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase volta a um ditadura pura, que durou 20 anos, porque uma organização criminosa, constituída por grupo político, não sabe perder eleições. Porque uma organização criminosa, constituída por grupo político liderado por Jair Bolsonaro, não sabe que é princípio democrático e republicano a alternância de poder. Há excesso de provas nos autos — afirmou Moraes
Quais crimes?
O grupo responde a cinco crimes: tentativa de golpe de estado, abolição violenta do estado democrático de direito, organização criminosa, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Também são réus os ex-ministros Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira, Anderson Torres e Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
O parlamentar teve o processo quanto às acusações de dano ao patrimônio e deterioração de bens tombados suspenso até o fim do mandato por decisão da Câmara, prerrogativa que a Constituição dá ao Congresso nos casos de crimes cometidos após a diplomação dos parlamentares.
Próximas sessões
Além da manhã desta quarta-feira, há sessões da Primeira Turma reservada para o julgamento da trama golpista na quinta-feira e na sexta, com previsão de encontros pela manhã e à tarde.



Conteúdo Original

Compartilhe este artigo
Nenhum comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *