No Rio, o conceito de riqueza é relativo. “Rico é sempre o outro, aquele que tem algo que você considera desnecessário ou supérfluo”, provoca Michel Alcoforado, doutor em antropologia do consumo, pesquisador do comportamento das elites e autor do recém-lançado Coisa de Rico. No livro, ele mergulha com lupa — e humor — no universo dos endinheirados brasileiros, identificando tipos facilmente reconhecíveis: do casal emergente da Barra da Tijuca que voa a Miami para fazer compras à herdeira discreta que leva uma vida longe dos holofotes na Suíça. “A gente é sempre o rico de alguém e, ao mesmo tempo, o pobre de outro”, resume.
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Conhecido como “antropólogo do luxo”, Alcoforado participará de duas conferências no Rio Innovation Week, encontro global de tecnologia e inovação que acontece essa semana no Píer Mauá. Na terça (12), às 12h, no palco Kobra, ele participa da mesa “Relações na era da distração: um olhar antropológico”. A ideia é promover a reflexão sobre como a aceleração do mundo digital mina os vínculos, convidando o público a resgatar rituais — de almoços de domingo a festas de aniversário — como âncoras para a vida. Já no painel “Conexão Digital”, também na terça, às 17h, Alcoforado vai promover uma discussão sobre o desafio das grifes de luxo para criar experiências personalizadas e exclusivas num ambiente on-line, onde tudo tende a ser padronizado. “O luxo enfrenta um paradoxo na era digital e criar uma sensação de exclusividade é um grande desafio, mesmo com todas as informações disponíveis sobre cada cliente”, pontua.
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O autor explica que nunca foi tão fácil coletar dados sobre os clientes mas, ao mesmo tempo, tão difícil oferecer experiências realmente personalizadas. “No ponto de venda físico, o vendedor observa, interpreta e cria vínculos; no on-line, a lógica tende à padronização”, explica. Essa massificação, somada à aceleração imposta pela tecnologia, afeta não só as marcas, mas também as pessoas, que vivem num estado de descompasso com o próprio tempo. “É como se virássemos robôs, com vidas esvaziadas, ansiedade e depressão”, alerta. Como antídoto, ele defende a retomada de rituais simples, coletivos ou individuais, mas capazes de ancorar a rotina e devolver sentido à vida.
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O apelido “antropólogo do luxo” veio de sua própria pesquisa de campo. Ao longo de anos, Alcoforado circulou em jantares exclusivos, viagens internacionais e encontros com milionários e bilionários, observando como vivem, consomem e se relacionam. Para ser aceito nesses círculos restritos, precisou se transformar: adaptou o jeito de vestir, os hábitos e até o vocabulário, de forma a transitar entre “os de dentro” e “os de fora” das altas rodas. “Ser afetado por esse convívio foi essencial para que eu pudesse compreender — e ser aceito — nesse universo”, afirma.

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No trabalho de campo que resultou no livro, Michel identificou que, a partir de certo patamar, a riqueza não é mais medida pelo saldo bancário, mas pelo domínio de códigos de pertencimento: o bairro certo, a marca reconhecível apenas por quem “fala a mesma língua”, os destinos de viagem que validam o status. É aí que surge a famosa diferença entre o rico da Barra e o do Leblon. “O Leblon é o ideal da elite tradicional, de berço; a Barra é o sonho do emergente”, explica. Mas ele lembra que as fronteiras não são rígidas: há emergentes no Leblon e tradicionais na Barra. “O novo rico sente necessidade de marcar quando ficou rico; o tradicional fala ‘desde sempre’.”
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Para Michel, o jogo da distinção está por toda parte — e continua mudando. Seja na escolha de uma iguaria rara ou no esforço para manter o apartamento herdado da avó em plena Zona Sul, cada gesto é um marcador de posição social. Mas, na era das distrações, talvez o maior luxo seja mesmo ter tempo e vínculos sólidos. “As amizades, a família e os rituais são as âncoras que nos mantêm conectados com a vida”, conclui.
Pier Mauá. Avenida Rodrigues Alves, 10, Praça Mauá. De terça (12) a sexta (15), 10h/21h. Mais informações sobre a programação e ingressos pelo site oficial do evento.