Condenado a 18 anos de prisão por participar de um esquema de tráfico humano de brasileiros para Mianmar, André Luis Sales Cunha foi ele próprio vítima dos criminosos com os quais veio a cooperar, segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) no caso. A decisão do tribunal é do final de maio, mas o sigilo só foi levantado recentemente, segundo o MPF, que divulgou o caso nesta quarta-feira.
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André Cunha foi um dos brasileiros que nos últimos anos aceitou uma suposta oferta de emprego na Tailândia para depois ser levado até Mianmar, que está em guerra civil desde 2021. Lá, ele passou a ser obrigado a praticar fraudes cibernéticas contra estrangeiros.
Segundo a denúncia, uma vez no país, ele “foi direcionado a um grande ‘condomínio fechado’, denominado “KK Park”, onde ficava sujeito a trabalho em condições análogas a escravo, consistente na prática de estelionato contra pessoas nos Estados Unidos, pela internet”. Por trás, do complexo, que funcionava como uma fábrica de golpes, estão organizações criminosas chinesas.
O MPF afirma que, em dado momento, ele passou a fazer parte da organização criminosa. André chegava a receber US$ 500 por cada pessoa aliciada que conseguia trazer para dentro do complexo, que operava como uma fábrica de golpes.
No entanto, para o MPF, a atuação do brasileiro não se limitou a isso. Era ele quem recepcionava os compatriotas no KK Park e os levava para assinar o contrato de trabalho. No entanto, segundo a denúncia, André Cunha não deixava que as vítimas lessem o documento e as convencia a trabalhar para a organização.
Ele teria sido responsável por aliciar 12 brasileiros que acabaram por ir trabalhar no complexo do KK Park. As vítimas da rede de tráfico humano descrevem condições de trabalho degradantes, com jornadas exaustivas, ameaças e agressões.
Segundo a denúncia oferecida pelo MPF, os brasileiros tiveram os passaportes confiscado pelos criminosos que gerem o KK Park. Eles também acumulavam dívidas decorrentes dos altos custos com alimentação, medicamentos e multas de atrasos e descumprimento das metas impostas pelos chefes. Por isso, muitos recebiam apenas uma fração do valor de US$ 1.500 prometido como salário.
“Tais multas eram aplicadas pelos mais variados motivos, como atrasos, necessidade de atendimento médico, ausência de batimento de metas, dentre outros. O montante recebido era gasto no próprio parque, o qual tinha preços superfaturados de produtos de higiene e alimentação”, descreve a denúncia do MPF.
O KK Park foi descrito pelo próprio André Cunha em depoimento como um “complexo militar, tipo um quartel”, contando com vigilância armada. As vítimas apenas eram autorizadas a deixar o local se quitassem as dívidas, que alcançavam até US$ 7.500, o equivalente a R$ 40 mil na cotação atual.
Após denúncias do caso virem à tona e uma investigação ser iniciada, com o resgate das vítimas, André Cunha foi localizado e preso pelas autoridades de Mianmar na cidade de Myawaddy, na fronteira com a Tailândia. Enviado de volta ao Brasil no início de dezembro daquele ano, ele foi preso preventivamente ao chegar no aeroporto de Guarulhos.
À Justiça, ele afirmou que era tratado da mesma forma que os demais brasileiros. A defesa de André Cunha pediu ao TRF-3 a redução da pena, o que foi atendido apenas parcialmente pelo desembargador André Custódio Nekatschalow. A pena foi fixada em 18 anos e 11 meses de prisão. Procurada, a defesa de André Cunha não se manifestou. O espaço segue aberto.
2025-08-09 03:30:00