Ambulantes legalizados de Niterói denunciam supostos excessos de agentes da prefeitura em apreensões e abordagens

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A Associação Assistencial dos Comerciantes Ambulantes do Município de Niterói (Acanit) protocolou um documento na Secretaria de Ordem Pública (Seop) denunciando o que considera ser uma série de apreensões ilegais de mercadorias por parte da Guarda Municipal. Segundo a entidade, agentes estariam recolhendo produtos de ambulantes sem o devido processo legal, utilizando o Termo de Recolhimento de Mercadoria e Equipamento (TReME) como justificativa para a prática. O episódio que se tornou o centro da denúncia ocorreu na tarde do último dia 14, quando agentes da Seop apreenderam mercadorias de dois ambulantes licenciados. A situação também foi denunciada pela entidade junto ao Ministério Público.

José Severino Pereira, que há 42 anos trabalha licenciado nas ruas do Centro da cidade, conta que estava voltando do banheiro quando viu os funcionários da prefeitura retirando 23 mochilas de sua barraca sob o argumento de que os objetos estavam fora da área estipulada pela legislação municipal. Ele alega que, mesmo apresentando notas fiscais, o material foi apreendido. E que, ao tentar recuperá-lo, teve a solicitação negada pela prefeitura.

— Fiquei muito nervoso na hora porque ninguém falou nada comigo. Eles já foram tirando tudo e colocando em sacolas. A sorte foi que alguns companheiros daqui ainda conseguiram retirar alguns produtos, caso contrário teriam levado tudo. Tomei um prejuízo de quase mil reais. E recebi uma advertência. Voltei semana passada para a minha barraca depois de receber ajuda de amigos — contou.

Um dos diretores da associação teme que as operações contra os trabalhadores façam parte do plano municipal de revitalizar o Centro. De acordo com Fernando Carvalho, durante uma reunião com o secretário de Desenvolvimento Econômico e Revitalização do Centro, Fabiano Gonçalves, foi exposta a ideia de abrir ao trânsito de veículos ruas como a Coronel Gomes Machado. Esse movimento necessariamente causaria a retirada dos ambulantes para áreas mais periféricas do Centro e longe da movimentação. Durante a reunião, segundo Carvalho, o argumento apresentado pela prefeitura foi o de que até 2031 o Centro deve receber mais 12 mil novos moradores, o que mudaria significativamente a dinâmica da região.

— Sabemos que a região está passando por uma profunda transformação. No entanto, nós queremos fazer parte dela, nos modernizar juntos e não sermos jogados para fora de todo esse traçado. No passado já houve tentativa de nos levar para perto da Avenida Feliciano Sodré. Lembro que recentemente a Feira de Petrópolis e os jornaleiros foram retirados daqui — afirmou.

No ofício, a Acanit alega que os trabalhadores vêm sendo abordados de forma arbitrária, com materiais confiscados mesmo quando apresentam documentação para atuação regular. A associação solicita a suspensão imediata das ações e pede esclarecimentos sobre os critérios adotados para o uso do TReME, apontando possíveis excessos cometidos por guardas municipais durante operações de fiscalização.

— Esse documento precisa ser apresentado no ato da apreensão e preenchido com transparência, e isso não vem acontecendo. O camelô movimenta a economia e ainda gera segurança por trazer movimento para as ruas. Nós vendemos produtos, mas consumimos também em lojas e outros comércios. Utilizamos transporte público, geramos fonte de renda para a arrecadação de cada território que estamos. Nossa categoria precisa ser tratada com respeito— disse Vanusia Drumond, diretora da Acanit, pesquisadora da UFF e trabalhadora ambulante em Icaraí.

O TReME está previsto em um decreto da prefeitura que amplia a atuação da Guarda Municipal no apoio à fiscalização urbana. O texto autoriza agentes designados pelo secretário municipal de Segurança a auxiliar na retirada de mercadorias e equipamentos de ambulantes que estejam ocupando irregularmente vias e logradouros públicos. A medida tem caráter emergencial e visa a garantir a desobstrução dos espaços públicos da cidade.

A associação, no entanto, contesta a interpretação do decreto e afirma que a norma não autoriza a apreensão indiscriminada de bens de trabalhadores regulares. No entendimento da Acanit, o instrumento legal vem sendo utilizado fora do seu escopo original, sem fiscalização efetiva por parte da Secretaria de Urbanismo e sem transparência na devolução dos itens recolhidos.

Em nota, a prefeitura afirmou que as apreensões feitas pela guarda seguem a legislação vigente, em especial o Código de Posturas. Segundo a Seop, as ações ocorrem quando há descumprimento das normas, como venda de produtos não autorizados pela licença. No caso do ambulante citado pela Acanit, a prefeitura alega que a nota fiscal apresentada para retirada do material estava com data posterior à apreensão, o que impossibilitou a devolução.

A prefeitura afirma ainda que não há previsão de redução do número de ambulantes licenciados no Centro e que as operações recentes não têm como objetivo diminuir a presença da categoria. De acordo com o município, está em andamento um plano de padronização das barracas, com novos modelos e substituição das estruturas deterioradas, sem custos para os trabalhadores. A mudança será feita de forma gradual e com diálogo com a categoria.

Segundo dados da prefeitura, no momento atuam na região central da cidade 259 trabalhadores ambulantes licenciados.



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