Em meio ao avanço urbano e ao ritmo acelerado da cidade, os quilombos localizados no município do Rio seguem como ilhas de preservação de memória, rituais e vida comunitária. Segundo o Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro (DPA), da Fundação Cultural Palmares, atualmente há oito comunidades remanescentes de quilombos certificadas na capital, cada uma com trajetória própria, formada por vínculos familiares, modos de vida e relação específica com a terra.
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Esses elementos, somados, sustentam a base do reconhecimento oficial de um quilombo. A certificação é emitida pela Fundação Palmares e, para recebê-la, as comunidades precisam se autodeclarar quilombolas, apresentar uma história de resistência à opressão e manter laços territoriais.
Um desses quilombos é o Cafundá-Astrogilda, em Vargem Grande, na Zona Sudoeste, onde a benzedeira Maria Lúcia Mesquita, de 63 anos, organiza o espaço de orações e trabalhos espirituais herdado da mãe e da avó, dona Astrogilda. A matriarca deu nome ao território e ao antigo terreiro no Caminho do Cafundá. Há dez anos, os descendentes dela construíram um espaço para preservação das memórias do antigo terreiro.
Maria Lucia organiza espaço sagrado utilizado para orações e trabalhos espirituais, dentro da área do Quilombo Cafundá-Astrogilda
Domingos Peixoto / Agência O Globo
Ao lado, fica um lugar de trabalhos espirituais pedido pela entidade Pai Tertuliano, guia espiritual da família. O legado botânico e medicinal do marido de dona Astrogilda, Celso Mesquita, também se mantém vivo.
Pedro Mesquita, de 65 anos, preserva o conhecimento de construtor adquirido com o pai, Tilinho: molda fornos a lenha, constrói rodas d’água e cultiva roças onde colhe as bananas vendidas na feira da Gardênia, em Jacarepaguá. Essas práticas sustentaram seus antepassados e seguem relevantes.
— Esses conhecimentos nos ajudam a viver bem e conseguir dinheiro para cuidar do território. São os mais velhos cuidando da gente, porque seguem aqui através das sabedorias. Então, é nossa obrigação manter a roda girando — disse Pedro.
O Cafundá-Astrogilda, cujas origens remontam ao período dos engenhos coloniais, é formado por famílias que há gerações habitam a área no Parque Estadual da Pedra Branca. A avó de Maria e Pedro liderou o processo de certificação, reconhecida pela Fundação Palmares em 2014.
Os outros sete quilombos reconhecidos na capital são: Leblon, Ferreira Diniz e Sacopã, na Zona Sul; Pedra do Sal, no Centro; Pedra Bonita, no Alto da Boa Vista; Dona Bilina e Camorim–Maciço da Pedra Branca, na Zona Oeste.
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Ligação de gerações
Julia Mesquisa de 91 anos, é filha da matriarca Astrogilda e moradora mais antiga do quilombo situado na Zona Oeste do Rio; ao lado, a sobrina Georgina Mesquita, de 60 anos
Domingos Peixoto / Agência O Globo
O Cafundá-Astrogilda é formado por famílias que há gerações habitam a área hoje inserida no Parque Estadual da Pedra Branca. Lacerda Drumond, Pereira, Alves de Andrade, Martins, Cardia, Rodrigues, Mendes e Santos Mesquita são alguns dos núcleos de parentes que formam essa rede. E foi a família Santos Mesquita, da Maria e do Pedro, que liderou o processo de certificação quilombola, reconhecida pela FCP em 2014.
As origens se encontram no período dos engenhos coloniais, por volta dos anos 1625. Ao longo dos séculos passou por transformações e virou polo de criação de gado, cultivo de mandioca e produção de açúcar, sempre sustentado pela mão de obra escravizada. Após alforria antecipada nos anos 1870 e a abolição, muitos libertos permaneceram nas terras, onde já mantinhas pequenas roças. No fim do século XIX, a venda da área ao Banco de Crédito Móvel levou antigos caivos a comprar, os pedaços de terra onde viviam.
Com o passar do tempo, os grupos familiares se distribuíram em núcleos que seguem um padrão de “territórios de parentesco”. João Cordei/ Juaréz, Tia Mocinha/Carmélio, Dinda-Laura, Dazinha, Lila/Astrogildo e Morro Redondo. Assim, é comum ouvir entre os moradores que no Cafundá-Astrogildo “todo mundo é parente”. As trilhas e travessias que conectam esses núcleos também reafirmam a ligação.
A vida no século XXI
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O quilombo do Camorim–Maciço da Pedra Branca é um dos mais antigos do território fluminense: teria sido fundado na década de 1620. Segundo Adilson Almeida, de 57 anos, um dos líderes, o quilombo é famoso pelas práticas de conscientização e pela referência em educação.
— Somos um sítio arqueológico reconhecido pelo Iphan, além de termos centros de ensino municipal e estadual em nossa área. Assim, a escolarização e a pesquisa se tornaram parte do nosso cotidiano. Somos uma prova de que a vida no quilombo não parou no tempo. A gente vive no século XXI, mas talvez o que ainda nos diferencie de outras comunidades é a relação íntima com nossa terra, a alimentação e o bom convívio com os semelhantes — disse o quilombola.
Quilombo do Camorim-Maciço da Pedra Branca, é considerado um dos mais antigos do Rio
Reprodução
Luz Stella, antropóloga do Grupo de Pesquisa Arte, Cultura e Poder da Uerj, destaca as particularidades de cada comunidade, mas para quem desconhece esses territórios, é possível afirmar que:
— Os quilombos são movimentos sociais que se agrupam em torno da defesa de um espaço e de uma identidade, trazendo uma bagagem cultural, ancestralidade e patrimônio físico e imaterial — explicou.
Divergência nos números
Embora a Fundação Palmares reconheça oito comunidades, o Censo do IBGE identificou 13. Já o Atlas Observatório Quilombolas, da Koinonia, e dados da Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro consideram seis. Em meio à falta de consenso, um ponto segue intocável: os quilombos são lugares onde a ancestralidade resiste.
Com informações da fonte
https://extra.globo.com/rio/noticia/2025/11/quilombos-do-rio-preservam-tradicoes-e-mantem-viva-a-memoria-e-a-resistencia.ghtml

