Em 2023, “Vale o escrito” (crítica aqui) contou a história do jogo do bicho no Rio desde os primórdios. Era um documentário, mas o que se viu na tela, de tão absurdo, parecia ficção. Agora, a Netflix lançou “Os donos do jogo”, uma ficção estrelada por atores. O universo da contravenção é o nervo motor de ambas as produções. Recomendo ao leitor brincar de ligar os pontos: assistir à série da Netflix e depois comparar seus personagens com a realidade crua exposta na produção do Globoplay.
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“Os donos do jogo” tem oito episódios irresistíveis. A série é criada e dirigida por Heitor Dhalia e a segunda temporada já foi anunciada. É boa notícia.
A trama mergulha em um mundo povoado por apontadores com seus caderninhos, armas, máquinas de apostas, joias pesadas e cravejadas de brilhantes, paixões, vinganças e sangue. Cada passo é regido pela omertà mafiosa que determina lealdade irrestrita — ou morte.
Os cariocas reconhecerão as locações: os salões do Fluminense, o Edifício Serrador, as vistas da Baía de Guanabara do alto da Glória e de Santa Teresa, os armazéns da Avenida Venezuela e a Barra da Tijuca.
A geografia da trama inclui ainda Campos, no interior do estado do Rio. É lá que cresceu o protagonista, Jefferson Moraes, o Profeta (André Lamoglia). Filho de um bicheiro (Adriano Garib), ele sonha integrar a cúpula da contravenção do estado. Para isso, muda-se para o Rio, enfrenta uma bandidagem pesada, seduz Mirna (Mel Maia), uma das herdeiras de uma figura poderosa do ramo (Jorge Guerra/Roberto Pirillo), e põe a própria vida em risco. Profeta consegue avançar em busca de seu objetivo e, nesse caminho, cruza com aqueles que dominam o jogo: os Guerra, os Fernandez e os Saad.
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O elenco é no geral talentoso, e a escalação, especialmente certeira. Chico Diaz brilha — e muito — como Galego Fernandez. Outra grande presença em cena, Otávio Muller se destaca como Xavier, mesmo sendo o personagem deprimido e calado. Juliana Paes está perfeita como Leila. Carismático, Lamoglia tem um desempenho muito convincente, assim como Mel Maia e Giullia Buscacio (Susana). Xamã foi uma excelente escolha para encarnar o lutador Búfalo, e Henrique Barreira, o Santiago, é um profissional para se prestar atenção.
“Os donos do jogo” segue a gramática do melodrama: um enredo intenso e sanguíneo. Parece novela, mas é muito mais ágil, sem a reiteração típica do gênero. O roteiro começa confuso, mas, a partir do segundo episódio, as tramas ganham impulso e envolvem o espectador. Os diálogos pecam pelos clichês eventuais (“Amor e ódio andam de mãos dadas.”; ou ainda: “O mundo dá voltas. Tô cansado de rodar.”). Porém, um certo “carioquês castiço” compensa tudo e atribui ao resultado final um charme extra. A sabedoria popular e a malandragem estão em todas as bocas (“Quem gosta de suar é sauna.”; ou “Se dieta fosse bom, leão corria atrás de alface”). Não perca.

