Do furto ao mercado paralelo: entenda como criminosos negociam celulares roubados no Rio

Tempo de leitura: 6 min




O trajeto de um celular roubado no Rio de Janeiro é rápido, organizado e altamente lucrativo — e, segundo o delegado Victor Arthur Tuttman Diegues, responsável por parte das investigações da “Operação Rastreio”, já não se limita mais aos tradicionais camelôs ou boxes de mercados populares. Hoje, há centros especializados, técnicos com conhecimento avançado e até o uso dos Correios para despachar aparelhos furtados por toda a cidade.
Vendedora com dois celulares roubados tem um deles devolvido pela polícia: ‘Sensação boa, mas insegurança continua’
Relatório encaminhado ao STF sobre megaoperação no Alemão e na Penha mostra novos dados sobre prisões e apreensões
A Polícia Civil filmou por vários dias a movimentação em um desses centros, localizado na Uruguaiana, no Centro do Rio. Ali, criminosos chegam com celulares recém-roubados e os repassam a técnicos com domínio de softwares e ferramentas digitais. Segundo a polícia, esses aparelhos roubados são “vendidos” aos receptadores por valores que variam de R$30 a R$300, dependendo do modelo do aparelho.
— Eles têm pessoas com conhecimento técnico para desbloquear os aparelhos. Quando conseguem, fazem PIX usando contas vinculadas ao dono legítimo. Quando não conseguem, apagam tudo e revendem como se fossem celulares novos — explica o delegado.
Mercados populares, boxes e agora salas comerciais
Os receptadores atuam principalmente em áreas de grande fluxo comercial. A “Rastreio” já mapeou operações em Duque de Caxias, Nilópolis e Alcântara, em São Gonçalo, onde celulares são negociados a preços muito abaixo do mercado.
— Geralmente são mercados populares que têm aqueles boxes onde eles podem atuar de forma discreta. Mas eles passaram a alugar salas comerciais em edifícios para manter esses aparelhos — detalha Diegues.
Segundo ele, a lógica do crime no Rio é clara: — O sujeito vai furtar e roubar. Existem vários ladrões que atuam por conta própria. O objetivo deles é esse. Roubar para passar adiante. O que vai acontecer com esse celular depois não é mais problema do ladrão, mas do receptador.
Entre os casos flagrados, a polícia registrou até grupos de adolescentes agindo em grandes eventos.
— Presenciamos um grupo gritando que era o bonde da Vila Kennedy. Eles estavam furtando no show da Lady Gaga, em Copacabana, em maio, e já saíram de lá direcionados para vender os celulares para uma quadrilha especializada na Uruguaiana — relata.
Com o avanço da “Operação Rastreio”, que já recuperou mais de 2 mil aparelhos e prendeu mais de 700 receptadores, o esquema sofreu um impacto direto. As quadrilhas, no entanto, rapidamente se adaptaram:
— Eles passaram a enviar esses celulares pelos Correios — afirma o delegado.
A Polícia Civil chegou a apreender cerca de 40 aparelhos em um centro de distribuição dos Correios, o que revelou uma nova fase do crime. As investigações sobre essa rota estão em andamento.
— Isso é uma novidade. Estamos vendo que os receptadores estão mudando a forma de agir.
Criminosos independentes, receptadores profissionais
Ao contrário do imaginário comum, grande parte dos envolvidos não é faccionada.
— Em regra, são criminosos com conhecimento técnico que atuam por conta própria. Os receptadores também atuam por conta própria. São empresários do crime — define Diegues.
Esses receptadores costumam se apresentar como “técnicos de celular” ou “comerciantes”. Muitos mantêm lojas formais, enquanto operam o esquema paralelo.
A responsabilização varia conforme o papel desempenhado:
Receptação qualificada — quando o criminoso é flagrado com aparelhos furtados no exercício de atividade comercial.
Receptação dolosa — quando a pessoa compra o aparelho sabendo que é produto de crime.
Receptação culposa — quando o comprador deveria suspeitar, pela desproporção do preço, que o produto era ilícito.
Entre os alvos de maior destaque está Alan Gonçalves, preso em maio. Considerado um dos técnicos mais habilidosos do esquema, ele conseguia apagar IMEIs e inserir novos números, o que permitia que celulares roubados reaparecessem no mercado como se fossem legítimos.
— Ele era muito bom no que fazia. Ele se intitulava unlocker (“desbloqueador”, em inglês). Atendia o país inteiro, tudo de forma remota. Usava softwares da Índia e Bangladesh — revelou o delegado.
As investigações mostram que o caminho do celular roubado no Rio envolve desde pequenos ladrões isolados até técnicos especializados que operam com equipamentos de ponta.
O produto final — um aparelho “limpo”, desbloqueado ou vendido como novo — termina nas mãos de compradores atraídos por preços baixos, muitos conscientes do risco de estar financiando o crime.



Com informações da fonte
https://extra.globo.com/rio/casos-de-policia/noticia/2025/11/do-furto-ao-mercado-paralelo-entenda-como-criminosos-negociam-celulares-roubados-no-rio.ghtml

Compartilhe este artigo
Nenhum comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *