João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Ante o bombardeio de barcos venezuelanos pelos EUA, um senador fluminense sugeriu ao governo Trump que igualmente bombardeasse a Baía de Guanabara. O antipatriotismo bárbaro propõe que potência estrangeira ataque a nossa soberania. Trump disse que para combater traficantes não é necessário declarar guerra ao país onde estejam. O presidente Lula contra-argumentou dizendo que os consumidores estadunidenses incentivam traficantes a lhes remeter drogas e que o problema naquele território deve ser resolvido entre eles: autoridades e consumidores estadunidenses.
Há um conluio contra a soberania do Brasil. A jornalista Malu Gaspar disse que o governador do estado do Rio de Janeiro entregou relatório ao embaixador dos EUA, prestando contas da chacina no Complexo da Penha, onde cerca de 130 pessoas foram mortas. Em tempo de guerra híbrida tal conduta implica colaboração com o inimigo. Nos EUA, similar comportamento implicaria prisão perpétua ou pena de morte. Quando juiz de Órfãos e Sucessões remeti ofício a diplomata estadunidense solicitando informações sobre eventuais herdeiros da viúva do antropólogo Darcy Ribeiro. O Cônsul Brendan Mullarkey remeteu-me a seguinte resposta:
“O Consulado Geral dos Estados Unidos cumprimenta V. Exma. e vem pelo presente instrumento informar que sempre teve a honra de manter um canal aberto de comunicação e cooperação junto às autoridades judiciais do governo brasileiro. O Setor de Serviços a Cidadãos Americanos tentará procurar pelos supostos sucessores da senhora Jenny Simoza ou Genny Gleizer, que teria falecido em 1995 e irmã e única herdeira de Berta Gleizer Ribeiro. Todavia, temos que seguir regras restritas estipuladas pelo governo dos Estados Unidos com relação à liberação de informações sobre cidadãos norte-americanos, de acordo com a Lei de Privacidade dos Estados Unidos (Privacy Act). Sentimos, portanto, informar que, mesmo em se encontrando tais herdeiros, não poderíamos fornecer os endereços dos mesmos.”
Nem para receber herança as autoridades estadunidenses podem fornecer informação a autoridade estrangeira. Assim age um país soberano.
Vivemos momento de guerra híbrida, modalidade que combina táticas militares tradicionais com táticas não convencionais para desestabilizar países e governos, incluindo guerra de informação por meio da disseminação de desinformação e uso de redes sociais, ciberataques, pressão econômica e influência política visando à manipulação de processos eleitorais.
As guerras sofreram modificações estratégicas, fazendo surgir vários tipos, que se classificam por seus métodos: como convencionais, não convencionais, biológicas, químicas, nucleares, cibernéticas ou econômicas; pelo número de participantes ou finalidade: como civil, internacional, localizada ou total; bem como por suas características táticas: como guerrilha, preventiva, por procuração ou híbrida.
A guerra convencional utiliza forças armadas regulares e pode incluir táticas de guerrilha e conflitos assimétricos que fogem das regras convencionais. A guerra biológica usa bactérias ou vírus para causar doenças e mortes. Biológica e nuclear também são não convencionais. A guerra cibernética ataca os sistemas de informação, as redes e as infraestruturas digitais. A guerra econômica utiliza tarifas, bloqueios e o que mais possa enfraquecer o agredido.
A guerra fria caracterizou-se por conflito ideológico e geopolítico. Mesmo com a ausência de confronto militar direto, não foram poucas as guerras por procuração. Os EUA jamais declararam guerra ao Vietnã, mas forneciam, em seu proveito, meios humanos e materiais para o conflito.
O principal objetivo da guerra híbrida é desestabilizar um país ou derrubar um governo, sem a necessidade de um confronto militar direto. Ela busca explorar as vulnerabilidades de um país em proveito do agressor, combinando táticas militares, sociais e psicológicas.
A tentativa dos EUA de classificar como terrorismo a venda ilegal de drogas é parte da guerra híbrida, visando a possibilitar atuação aos que sejam considerados ameaçadores da sua segurança na região. Não há narcoterrorismo no Brasil. Uma das características do terrorismo é sua motivação ideológica. O comércio de drogas, seja no atacado pelos magnatas do negócio ou no varejo das favelas e periferia, é uma atividade ilegal que envolve violência, mas meramente comercial visando lucro. É crime, mas não é terrorismo.
Se o governador do estado do Rio de Janeiro entregou relatório ao governo dos EUA, estaremos, ao menos em tese, diante do crime tipificado no Código Penal como atentado à soberania, definido por ato de “negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País”.
Ao invés de tipificar o comércio de drogas ilegal como terrorismo o Congresso Nacional tem a incumbência de tipificar como crime contra a soberania nacional o ajuste de autoridades brasileiras com autoridades estrangeiras. É hora de limitar as colaborações e relações institucionais internacionais ao corpo diplomático da nação, sem prejuízo de interlocuções culturais, acadêmicas ou científicas. Para as relações institucionais temos os qualificados quadros funcionais do Itamaraty e o Ministério das Relações Exteriores.
