A administração municipal de São Gonçalo, chefiada pelo prefeito Capitão Nelson (PL), recebeu R$ 904.693.239 provenientes da privatização da Companhia Estadual de Água e Esgoto (CEDAE), além de repasses de emendas parlamentares e transferências dos governos estadual e federal. Entre os municípios da Região Metropolitana e dos Lagos que participaram do rateio, São Gonçalo obteve a maior parcela. Do total, R$ 588.050.605 já foram liberados. Em 2022, o valor repassado foi de R$ 135.703.986 e, para 2025, a previsão é de R$ 180.938.648.
Mesmo após a entrada de recursos expressivos da venda da CEDAE e de transferências estaduais e federais, a cidade enfrenta desequilíbrio financeiro. Em junho, a base governista na Câmara Municipal aprovou um empréstimo de R$ 230 milhões junto à Caixa Econômica Federal, sob justificativa de investimentos em infraestrutura. No entanto, o líder do governo no Legislativo admitiu que os valores não seriam aplicados em áreas como saúde, cultura ou pagamento de salários e complementos pendentes.
Em novembro, um novo pedido de crédito de mesmo valor foi apresentado em regime de urgência, repetindo o formato anterior. A proposta autoriza o uso de receitas futuras como garantia, o que pode comprometer o orçamento do município por anos. O prefeito não apresentou detalhamento sobre o destino dos recursos, nem um plano de investimento público que justifique a necessidade da operação. A falta de transparência tem gerado críticas e suspeitas, especialmente por ocorrer em período pré-eleitoral.
Na Câmara, apenas vereadores da oposição, como Dejorge Patrício (PDT), manifestaram preocupação com o impacto fiscal e a ausência de informações sobre o empréstimo. Eles exigem esclarecimentos e alertam para o risco de o município assumir obrigações de longo prazo sem retorno social. Já os parlamentares alinhados ao Executivo mantêm apoio integral ao projeto, garantindo maioria para aprovação rápida, sem debate amplo com a sociedade.
Um vereador da base governista, que preferiu não ser identificado, afirmou que a proposta foi encaminhada ao plenário com pouca explicação do Executivo. “A orientação veio pronta. O projeto chegou, e disseram que era para aprovar logo. Muitos de nós não sabemos exatamente onde esse dinheiro vai ser usado. Há pressão política, e quem questiona pode perder espaço dentro da base. Mesmo assim, há preocupação porque, no fim, quem paga a conta é o município”, comentou.
Enquanto o endividamento cresce, os efeitos da contenção de despesas já são visíveis. O fornecimento de insumos hospitalares foi reduzido, escolas municipais enfrentam falta de manutenção e veículos oficiais circulam sem condições adequadas de uso. Em Porto da Pedra, um carro da prefeitura foi flagrado com a placa pendurada, símbolo do estado precário da frota pública.
O especialista em gestão pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carlos Alberto Rezende, analisa o cenário. “O quadro de São Gonçalo reflete uma crise de planejamento orçamentário e de gestão. Quando um governo recorre a empréstimos sucessivos mesmo após receitas extraordinárias, o problema não é a falta de recursos, mas a forma como eles são administrados. Operações de crédito sem plano técnico transparente comprometem a sustentabilidade fiscal e restringem investimentos futuros. Além disso, usar receitas futuras como garantia cria dependência estrutural e reduz a capacidade de resposta da administração a emergências. O Legislativo precisa exercer seu papel fiscalizador, exigindo clareza e responsabilidade sobre cada centavo contratado”, alertou.
Moradores também expressam insatisfação com o rumo das finanças municipais. José Maurício Ferreira, residente no bairro Mutuá, relata. “A gente vê dinheiro entrando, mas a cidade continua igual. Hospital sem material, escola sem pintura, buraco em toda rua. Quando falam em empréstimo, ninguém explica pra onde vai o dinheiro. Parece que a conta sobra sempre pra gente pagar com imposto e serviço ruim”, contou.
A situação financeira do município também foi alvo de questionamento pelo Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), que emitiu parecer pela rejeição das contas de 2024 do prefeito Capitão Nelson. O relatório aponta violação do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe assumir despesas sem disponibilidade de caixa nos últimos quadrimestres do mandato.
Segundo o parecer, houve insuficiência de caixa de R$ 35 milhões ao final do exercício. Apesar disso, o documento reconhece que São Gonçalo apresentou superávit financeiro de R$ 221 milhões, aplicou 27,3% da receita em educação e 16,2% em saúde, mantendo a despesa com pessoal em 40% da receita corrente líquida. O parecer segue agora para o plenário do TCE-RJ, que encaminhará à Câmara Municipal o julgamento político das contas do prefeito.
Mesmo com receitas recordes e novos empréstimos, São Gonçalo enfrenta um ciclo de endividamento crescente e carência de transparência sobre o uso dos recursos públicos — um quadro que coloca em risco o equilíbrio financeiro e a confiança da população no poder municipal.

