O que muda? Quais os impactos para o crime organizado? Veja perguntas e respostas sobre o PL antifacção

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Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, durante CPI do MST no Congresso Nacional, em 02/08/2023 — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo


O relatório apresentado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP) que modificou o projeto antifacção do governo Lula abre brechas, na avaliação de especialistas, para igualar traficantes e milicianos a terroristas. A equiparação preocupa analistas pela possibilidade de sanções internacionais, com inibição de investimentos em áreas sob domínio de facções, além de riscos de que outros grupos não criminosos, como movimentos sociais, sejam enquadrados por terrorismo. Haveria ainda um possível conflito de competência entre governos estaduais e a Polícia Federal, o que pode atrapalhar investigações.

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O relatório muda a Lei Antiterrorismo?

Sim. O projeto antifacção mudava principalmente a Lei de Organizações Criminosas, de 2013, mas o relatório ampliou esse escopo. Derrite propôs novos artigos na Lei Antiterrorismo, de 2016, para afirmar que “incorrem nas mesmas penas” previstas para atos de terrorismo uma série de ações “praticadas por membros de organização criminosa, paramilitar ou milícia privada”, “independentemente de suas razões ou motivações”.

Essa lista de ações, prevista no relatório de Derrite, inclui desde a imposição, “mediante violência ou grave ameaça, de qualquer controle social de atividade econômica”, até causar danos a meios de transporte, como carros e ônibus.

Com a mudança, as facções serão equiparadas a grupos terroristas?

Derrite argumentou, em entrevista ao GLOBO, que seu relatório não “classifica as organizações criminosas como terroristas”. Na prática, porém, especialistas afirmam que a mudança na legislação equipara sua atuação à de grupos que praticam terrorismo.

A intenção original da bancada bolsonarista era equiparar facções a grupos terroristas através de um projeto do deputado Danilo Forte (União-CE), que mudava a definição de terrorismo para incluir qualquer prática voltada a “impor domínio ou controle de área territorial”.

O relatório de Derrite não mexe nessa definição, mas gera o mesmo resultado, segundo especialistas, ao colocar as facções sob o guarda-chuva da Lei Antiterrorismo.

— Todas as mais de 80 facções do país passam a ser consideradas terroristas por “equiparação”, o que na prática é a mesma coisa — avalia o promotor Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

Segundo o professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, Renato Galeno, o texto de Derrite abre essa brecha ao “retirar as motivações como algo relevante para que os atos sejam considerados terroristas”.

— Apesar das declarações públicas de seu autor, entendo que o parecer afirma, sim, que as atividades criminosas de traficantes e milicianos no Brasil passariam a ser considerados terroristas. Isso teria um significativo efeito negativo nos investimentos estrangeiros no Brasil —afirmou Galeno.

Como essa equiparação pode impactar empresas e pessoas físicas?

Para Galeno, o projeto acaba igualando, de forma equivocada, o “medo imposto por milicianos, que leva ao pagamento de mensalidades para que pessoas possam abrir suas lojas”, aos métodos de intimidação de grupos terroristas, que proíbem manifestações políticas e culturais. O coordenador do curso de Relações Internacionais da PUC Minas, Jorge Lasmar, vê o risco de que essa “taxa de proteção”, fruto da extorsão praticada por facções, seja associada a “financiamento de terrorismo”.

A equiparação, segundo os pesquisadores, pode inibir investimentos de multinacionais em capitais como Rio e São Paulo. Dada a presença de facções em várias partes dessas cidades, seria uma forma de as empresas evitarem sanções internacionais e em seus países de origem, que proíbem qualquer vinculação a grupos de terrorismo.

Para o jurista Walter Maierovitch, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor do livro “Máfia, poder e antimáfia”, o texto de Derrite abre essa brecha por misturar conceitos distintos.

— Organizações mafiosas podem usar métodos terroristas, mas só buscam o lucro. Terrorismo é violência política com ideologia. Mudar definições gera confusão, o que cria riscos e brechas contra a imagem do país e a economia.

O texto pode gerar disputa de competências entre governos estaduais e a Polícia Federal?

Na avaliação de especialistas, sim. O relatório apresentado por Derrite afirma que os crimes praticados por grupos terroristas seguem cabendo à Polícia Federal, enquanto as condutas de facções criminosas — apesar de enquadradas na Lei Antiterrorismo — ficariam com as forças de segurança dos estados.

Já para Gakiya, do MP-SP, ainda que o texto aponte atribuições das polícias estaduais, o fato de os atos de facções serem submetidos à Lei Antiterrorismo gera competência federal.

Segundo o procurador da República Vladimir Aras, isso pode gerar questionamentos sobre a competência de investigações em curso, entre autoridades federais e estaduais, o que pode levar a nulidades.

— Incertezas quanto à competência da Justiça estadual ou federal vão aumentar a demora dos processos e incrementar o risco de que sejam anulados pelos tribunais.

Além das facções, outros grupos podem acabar tachados de terroristas?

O relatório do Derrite inclui, entre as condutas puníveis como atos terroristas, a depredação de meios de transporte e o uso de explosivos que atinjam instituições financeiras ou atrapalhem o “fluxo terrestre”. Embora a Lei Antiterrorismo exclua movimentos sociais de seus alvos, especialistas avaliam que essas descrições podem ser usadas, por exemplo, para enquadrar manifestações com black blocs como terroristas.

— Apesar da correta tentativa de tornar mais rígido o tratamento penal das facções, o projeto talvez esteja aumentando a restrição de espaço cívico por parte da população — avaliou o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.

O projeto atinge o braço financeiro das facções?

O texto de Derrite incluiu uma série de hipóteses para acelerar o bloqueio de bens de facções criminosas abarcadas na Lei Antiterrorismo. Especialistas, porém, citam que o projeto do governo previa esse “perdimento” até em caso de morte do investigado ou prescrição do processo, o que ficou fora do relatório.

Derrite afirmou que ainda ampliará o rol de alvos de bloqueios. Porém, para o professor Jorge Lasmar, da PUC Minas, uma forma mais eficaz de adaptar a legislação antiterrorismo às facções criminosas seria replicar outra lei, de 2019, que prevê o bloqueio de bens pelas instituições financeiras, sem necessidade de decisão judicial, para indivíduos sancionados:

— Em vez de equiparar a terrorismo, poderia haver uma adaptação para as facções desses mecanismos de congelamento de bens.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/11/11/o-que-muda-quais-os-impactos-para-o-crime-organizado-veja-perguntas-e-respostas-sobre-o-pl-antifaccao.ghtml

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