Espalhado pela Amazônia, crime organizado já impacta no clima e entra pela primeira vez nos debates das COPs

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Garimpo ilegal de ouro na reserva dos Yanomami, na Amazônia — Foto: Não informado


Já não é novidade o quanto a violência acossa crescentemente a população Brasil afora. Na Amazônia, porém, os impactos são ainda mais amplos — e globais. Um relatório que será lançado nesta terça-feira na COP30, em Belém, detalha como o crime organizado virou um dos grandes vetores de desmatamento na maior floresta do mundo, graças a atividades que vão do garimpo ilegal ao tráfico de drogas. O tema também entrou pela primeira vez na chamada Agenda de Ação da Convenção do Clima, documento que ajuda a nortear os debates do evento.

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Antecipado pelo GLOBO, o “Relatório de avaliação da Amazônia 2025: Conectividade da Amazônia para um planeta vivo”, do Painel Científico para a Amazônia (SPA, na sigla em inglês), mostra como o crime organizado presente na região destrói conexões sociais e ecológicas, tornando-se agente de morte, violência, poluição e mudança climática. Coordenado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, o SPA é composto por uma rede de cientistas, além de líderes indígenas e representantes da sociedade civil.

— Sempre defendemos que o crime ambiental fosse reconhecido como prioridade nas discussões globais sobre clima e natureza. O Igarapé tem trabalhado, desde 2019, para incluir essa pauta na agenda oficial da conferência — afirma Ilona Szabo, uma das autoras do relatório e presidente do Instituto Igarapé, think tank de segurança ambiental.

O combate ao crime também teve a prioridade reforçada no “Chamado à ação sobre manejo integrado de fogo e resiliência a incêndios florestais”, lançado na cúpula de líderes que, na semana passada, antecedeu a COP30. O documento cobra “transparência e cooperação entre as autoridades” para “enfrentar de forma eficaz as atividades ilegais que contribuem para ou se beneficiam” das queimadas ilegais.

— O crime organizado se tornou um grande agente de desmatamento na Amazônia. Ele fragmenta a floresta e comunidades. É um agente de desrupção — pontua o climatologista brasileiro Carlos Nobre, copresidente do SPA e uma das maiores autoridades mundiais sobre a Amazônia.

‘Vasto sistema ilegal’

Na Amazônia, o crime organizado atua em muitas frentes: garimpo clandestino; exploração ilegal de madeira; tráfico de drogas, armas, pessoas e animais; e até exploração de trabalho análogo à escravidão. As quadrilhas encontraram no desmatamento uma fonte de lucro, usada para ocupar territórios e lavar dinheiro. Para isso, são empregados vários mecanismos, como a grilagem de terras públicas, legalizada com corrupção e fraude.

— Na Amazônia opera um vasto sistema de economia ilegal, do qual participam o crime organizado e, em alguns casos, atores econômicos e políticos. Há redes que conectam os ilícitos, como o narcotráfico, extração de madeira, invasão de terras. Essas redes funcionam em todos os países amazônicos e se aproveitam da corrupção e da ausência do Estado — salienta Juan Carlos Garzón, autor principal do capítulo 2, que trata do impacto da criminalidade.

Garzón explica que cerca de 40% da cocaína mundial atravessam a região amazônica, que se tornou um importante vetor de escoamento de droga para facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Para operar, o narcotráfico devasta a vegetação e usa vias fluviais em áreas antes intactas.

— O crime organizado é hoje uma das maiores ameaças à Amazônia: ele destrói a floresta, compromete a segurança das populações e corrói as bases da governança ambiental. Enfrentar essas redes ilegais é crucial para evitar o colapso ecológico da região e garantir o futuro sustentável do Brasil e do planeta — cobra Garzón.

O pesquisador aponta que as alianças entre dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), grupos peruanos e facções brasileiras — especialmente em pontos como a tríplice fronteira do Putumayo — ampliaram a presença do crime nos rios amazônicos e também nas rotas aéreas. A convergência entre o narcotráfico e outras economias ilegais criou um ecossistema de ilícitos que conecta crimes ambientais, como extração irregular de madeira, grilagem e garimpo, ao tráfico de drogas e de armas.

— Hoje há mercados criminosos organizados em toda a Amazônia. Os traficantes se ajudam não só nos estados, mas também entre países, são redes transnacionais. Nosso recado nesta COP30 é que a segurança pública é fundamental para haver desenvolvimento sustentável na região — diz David Marques, gerente de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Investigações apontam que o CV já opera cargas ilegais de madeira e droga na Transamazônica, para otimizar a distribuição. No Rio Solimões, pescado é transportado com cocaína para tentar dificultar que a droga seja detectada por cães farejadores da polícia.

No Acre e em Rondônia, a facção grila fazendas para estocar droga. E, no interior do Pará, abre garimpos em áreas de difícil acesso, que são desmatadas e viram abrigo para bandidos foragidos. Também há registro de atuação do PCC no chamado narcogarimpo.

O SPA cita que o garimpo ilegal ocupa mais de 2.600 km² na Amazônia brasileira. Isso significa que 77% das áreas de garimpo ativas em 2022 operavam fora da lei, movimentando até US$ 2,8 bilhões em ouro sem controle fiscal. Estima-se que 49 toneladas do minério foram extraídas ilegalmente em 2019 e 2020.

O relatório destaca ainda a devastação causada pelo garimpo no território Yanomami. A contaminação por mercúrio em comunidades indígenas chega a níveis 20 vezes maiores que o limite máximo estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com registros de danos neurológicos permanentes na população local. Ao todo, mais de 4.000 pontos de mineração ilegal se espalham por territórios indígenas e unidades de conservação.

A grilagem também tem aumentado. Muitas dessas terras são vendidas depois para a criação de gado. Entre 2018 e 2021, mais de 90 mil cabeças de gado criadas em áreas invadidas entraram na cadeia formal da carne bovina.

— A pecuária ainda é o principal vetor de desmatamento, mas atividades ligadas ao crime organizado, como a grilagem de terras, quase sempre públicas, cresce ano a ano como fator de devastação — frisa o procurador Ricardo Negrini, um dos autores da coleção “Diálogos pelo clima”, que terá um novo volume lançado pelo Funbio na COP30.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/brasil/cop-30-amazonia/noticia/2025/11/11/espalhado-pela-amazonia-crime-organizado-ja-impacta-no-clima-e-entra-pela-primeira-vez-nos-debates-das-cops.ghtml

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