‘A vizinha perfeita’ usa câmeras corporais da polícia para mostrar radicalismo e polarização; leia a crítica

Tempo de leitura: 6 min
'A vizinha perfeita', documentário da Netflix — Foto: Divulgação/Netflix


É incomum assistir a um documentário em que a linguagem case tão bem com o tema como faz “A vizinha perfeita”, produção que estreou há um mês no Brasil diretamente na Netflix e que já desponta como um dos favoritos para vencer o Oscar. Num olhar rápido, o filme pode soar apenas como mais um desses true crimes que inundam as plataformas de streaming hoje em dia e tendem à repetição de ideias e formatos. Em geral, esse tipo de obra mistura entrevistas, imagens de telejornal acerca de um crime e alguma reprodução da ação com o uso de atores em estúdio. Mas “A vizinha perfeita” tem na mão um material diferente e a partir dele cria uma gramática própria para narrar sua história: as câmeras corporais da polícia.

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Com direção de Geeta Gandbhir, o documentário é centrado num homicídio ocorrido numa pequena cidade da Flórida, em 2023. A personagem central é Susan Lorincz, uma mulher branca que se incomodava com as crianças da vizinhança, muitas delas negras, só porque elas estavam brincando ao lado do seu quintal.

Na verdade, para ser mais preciso, a vizinha fazia muito mais do que se incomodar: Lorincz chamava a polícia sempre que alguém se aproximava do muro ou falava mais alto. As autoridades iam lá, conversavam com os envolvidos, tentavam colocar panos quentes e ainda assim acabavam tendo que voltar dias depois, porque Lorincz reclamava de novo. E, como manda a lei na Flórida, os policiais estavam sempre com as câmeras corporais ligadas. Foram essas as imagens utilizadas pela diretora para construir uma trama que trata de privacidade, racismo e porte de armas, todos temas contemporâneos e que fazem de “A vizinha perfeita” um microcosmo do radicalismo e da polarização dos dias de hoje.

O formato tem feito sucesso com o público e vem ganhando tração para a temporada de prêmios. Sua primeira exibição pública foi no Festival de Sundance, em janeiro, de onde saiu com o troféu de melhor direção para um documentário americano. Já no último domingo, “A vizinha perfeita” venceu cinco categorias na cerimônia de premiação do Critics Choice Documentary Awards, entre elas melhor documentário e direção. Nas listas de apostas para o Oscar de revistas especializadas em entretenimento, como Hollywood Reporter e Variety, a obra de Geeta Gandbhir tem aparecido como certa para uma indicação.

Cena de ‘A vizinha perfeita’ mostra Susan Lorincz sendo presa pelo assassinato de vizinha — Foto: Divulgação

A partir das câmeras corporais, o filme propõe também uma reflexão sobre a exposição constante em que vivemos. Os aparelhos, criados para garantir transparência nas ações policiais, acabam revelando muito mais do que o esperado. Eles enquadram vidas privadas, reações emocionais, momentos de desespero. O que seria uma ferramenta de segurança para evitar abusos vira também um instrumento da nossa própria curiosidade por assistir ao drama alheio.

E a gente adora ser colocado na posição de espectador da janela indiscreta do mundo real, tanto no entretenimento de um programa de TV como “Big Brother”, quanto numa tragédia como o assassinato do americano negro George Floyd pela polícia, em 2020, que só ganhou a repercussão que teve porque tinha alguém gravando. Gandbhir entende que, ao abrir o arquivo bruto da tragédia, está convidando o espectador a se perguntar até que ponto ele próprio é cúmplice dessa lógica de observação permanente.

Além das imagens reais do calor das cenas (o filme também usa câmeras de segurança de delegacia e gravações de tribunal), a protagonista/antagonista Susan Lorincz é outra razão para explicar o sucesso da história. No início ela aparenta ser aquela vizinha intransigente, que costuma ser motivo de piada das crianças, uma espécie de “Bruxa do 71” que vive sozinha e não se esforça para fazer amigos. O documentário mostra, no entanto, que às vezes a piada perde a graça e nos confronta com um mundo de ódio e que naturaliza a violência como solução para seus conflitos.

No fim, “A vizinha perfeita” não é somente um retrato de um crime, mas um perturbador espelho de uma sociedade dividida e incapaz de olhar com empatia para seu vizinho sem precisar do filtro de uma câmera de vídeo.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/noticia/2025/11/11/a-vizinha-perfeita-usa-cameras-corporais-da-policia-para-mostrar-radicalismo-e-polarizacao-leia-a-critica.ghtml

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