Arnaldo da Silva Dias, o Naldinho, integrante da cúpula do Comando Vermelho (CV) que ordenou uma trégua de “guerras e roubo” durante uma reunião do G20, em fevereiro de 2024, é um dos dez traficantes que as forças de segurança do Rio querem transferir para um presídio federal após a operação mais letal da história do estado, realizada na última terça-feira (28). Há um ano, as polícias Civil, Militar e Federal e o Ministério Público do Rio (MPRJ) tentam tirá-lo do estado. Desde outubro do ano passado, já foram feitos pelo menos quatro pedidos à Vara de Execuções Penais (VEP) por diferentes órgãos para a transferência do preso — até agora, sem sucesso.
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Como o GLOBO revelou em maio passado, uma investigação da PF interceptou um comunicado redigido por Naldinho em que ele determinava que a facção “segurasse sete dias sem guerras e roubo” por conta de uma reunião do G20 no Rio. “Boa tarde a todos, meus irmãos. Hoje, um representante das autoridades no Rio procurou o irmão que é sintonia e pediu para nós segurarmos sete dias sem guerras e roubo devido ao G20 (são representantes de 20 países diferentes). Para evitar isolamentos de irmãos que venham a ter ligação com determinada área. Todos estamos de acordo em segurar esses sete dias, até porque se veio no diálogo, eles demonstraram um respeito por nós”, escreveu Naldinho no comunicado enviado em 22 de fevereiro de 2024.
Naquele mesmo dia, ministros das Relações Exteriores de todos os países do G20 se reuniram na Marina da Glória para os primeiros encontros ministeriais do grupo sob a presidência do Brasil. A mensagem integra um relatório da PF que expõe a atuação de Naldinho, condenado por tráfico e homicídio a mais de 50 anos de prisão e apontado como chefe de favelas em várias cidades do Sul Fluminense e como porta-voz do CV, responsável por levar as ordens do topo até a base da facção. Em “salves” enviados a aliados fora da cadeia, o criminoso arbitra disputas entre donos de bocas de fumo, comunica seus comparsas sobre alianças com outras facções e até organiza rifas em que os prêmios são fuzis.
O primeiro pedido pela saída do criminoso do estado foi feito em outubro do ano passado pela promotora Cristiane da Rocha Corrêa. O requerimento, assinado por ela, se baseia em relatório da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MPRJ, que apontava que Naldinho “seria um dos homens de confiança do narcotraficante Luiz Fernando da Costa, vulgo Fernandinho Beira-Mar, responsável por negociações com traficantes de armas e drogas de outros locais da federação”.
Em 6 de novembro, foi a vez de a PF solicitar a transferência. Com base nas mensagens interceptadas, como a da trégua durante o G20, o delegado Geraldo Sergio Silva de Almeida pediu a “inclusão emergencial” de Naldinho em uma unidade federal. Segundo ele, no ofício encaminhado à VEP, “é importante notar o alto poder de influência que Arnaldo Dias da Silva exerce na referida organização criminosa, sobretudo porque ele determina as diretrizes sobre as quais os seus subordinados devem seguir”.
O pedido foi negado em 14 de novembro pelo juiz Marcel Laguna Duque Estrada. Segundo o magistrado escreveu à época, “não se vislumbra no caso o caráter urgente e emergencial da medida, nem prejuízo que a oitiva prévia da defesa possa acarretar para a garantia da ordem pública, na medida em que os fatos noticiados datam de 2021 e setembro de 2024”.
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Após a negativa, o processo de execução penal de Naldinho foi alvo de uma fraude “em razão de manuseio indevido dos autos por terceiros, com senha de magistrado e funcionários, que culminou na expedição fraudulenta de um alvará de soltura em favor do apenado”, segundo decisão do juiz Rafael Estrela Nóbrega, de fevereiro passado. Segundo ele, a Corregedoria do TJRJ foi acionada para “instruir eventual procedimento administrativo, tendo em vista se tratar de aparente violação”. Como a fraude foi detectada a tempo, Naldinho permaneceu preso.
Em 12 de fevereiro deste ano, a Polícia Civil solicitou novamente a transferência de Naldinho para um presídio federal. O pedido chegou ao MPRJ em 25 de fevereiro e, no mesmo dia, recebeu parecer favorável. Em 17 de setembro passado, o juiz Rafael Nóbrega oficiou as secretarias de Segurança, de Polícia Civil, de Polícia Militar e de Administração Penitenciária para que esclarecessem se “persiste o interesse” na transferência. As pastas responderam positivamente, mas até a data da operação no Alemão não houve decisão. Agora, o governo do Rio reforçou o pedido de transferência de Naldinho e de mais nove chefes do CV que estão no Complexo de Gericinó, e a medida já foi aceita pelo governo federal. Falta apenas o aval da Justiça.
