A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para condenar integrantes do “núcleo quatro” da trama golpista, acusado de ser responsável pela tática de desinformação da organização que tentou um golpe de Estado.
O relator, Alexandre de Moraes, votou pela condenação e foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. Luiz Fux foi o único a divergir até o momento. Falta o voto de Flávio Dino.
Moraes votou para condenar seis dos sete réus pelos cinco crimes atribuídos a eles pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A exceção foi em relação ao engenheiro Carlos Rocha, do Instituto Voto Legal (IVL): o relator votou para condená-lo por dois crimes e absolvê-lo dos outros três. Zanin acompanhou o voto integralmente.
Além de Carlos Rocha, os réus desse núcleo são o ex-major do Exército Ailton Barros; o major da reserva Angelo Denicoli; o subtenente Giancarlo Rodrigues; o tenente-coronel Guilherme Marques Almeida; o policial federal Marcelo Bormevet; e o coronel Reginaldo Vieira de Abreu.
Os setes foram acusados pela PGR de fabricar e disseminar “narrativas falsas contra o processo eleitoral, os Poderes constitucionais e as autoridades que os representam”. Além disso, também teriam feito ataques virtuais para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderir ao plano de ruptura.
Em seu voto, Moraes afirmou que o objetivo do grupo era “desacreditar as eleições para permanecer no poder”:
— A organização criminosa pretendia desacreditar as eleições para permanecer no poder, mesmo que o resultado das eleições fosse adverso. E, uma vez finalizadas as eleições com o resultado adverso, impedir que o presidente e vice-presidente democraticamente eleitos pudessem assumir.
Moraes votou para condenar Rocha por abolição violenta do Estado Democrático de Direito e participação em organização criminosa armada, e para absolvê-lo das acusações de tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Já em relação aos outros seis, Moraes votou para condená-los pelos cinco crimes.
— Ele claramente participou do crime, e foi coautor, de atentado ao Estado Democrático de Direito. Porque ele, de forma consciente e voluntária, dolosamente, elaborou um laudo falso, deu entrevistas incitando a população contra a Justiça Eleitoral. Há uma dúvida razoável se ele continuou suas condutas, se ele teria continuado para a consumação do delito de golpe de Estado, com as consequências da tentativa frustrada do dia 8 de janeiro — afirmou Moraes.
A avaliação foi reforçada por Zanin:
— Não há prova segura de que Carlos César Rocha, ao avalizar o relatório contendo tema informações falsas sobre o processo eleitoral, estivesse agindo conscientemente, de forma contribuir também para a deposição posterior do governo legitimamente eleito — declarou o ministro.
‘Falácia’ da liberdade de expressão
Em seu voto, Moraes destacou que não é possível classificar os ataques à Justiça Eleitoral como parte da liberdade expressão:
— É uma falácia, é uma mentira, absurda, criminosa e antidemocrática, dizer que essa utilização de ataque à Justiça Eleitoral, de ataque ao Poder Judiciário, de ataque à democracia, de discurso de ódio, que isso é liberdade de expressão. Isso é crime tipificado no Código Penal.
O relator também afirmou que há relações com a atuação de integrantes de outros núcleos da suposta organização criminosa, a partir de elementos como o documento que ficou conhecido como minuta golpista e o plano de assassinato de autoridades.
— Havia minuta do golpe. Havia pressão e coação contra os comandantes do Exército e da Força Aérea. Havia monitoramento de autoridades. Havia a operação Copa 2022 a partir do planejamento do Punhal Verde e Amarelo. E todos os núcleos inter-relacionados. Uma prova robusta da organização criminosa que tentou tomar de assalto a República Federativa do Brasil.
Como já havia feito no julgamento do “núcleo crucial”, no mês passado, Moraes fez uma apresentação com provas reunidas contra os réus, como mensagens trocadas. O ministro mostrou, por exemplo, mensagens entre Ailton Barros e o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil já condenado por tentativa de golpe de Estado pelo STF.
Nos textos em questão, Braga Netto dizia para Ailton atacar o ex-comandante da Aeronáutica Baptista Junior, que se recusou a apoiar o plano golpista.
— São milicianos covardes que atacam não só seus inimigos, mas também seus familiares. No caso do comandante Baptista Júnior, há uma filha menor de idade. São milicianos covardes — frisou Moraes.
Zanin destaca ‘manipulação do sentimento popular’
Para Cristiano Zanin, a tentativa de golpe utilizou ações como a “manipulação do sentimento popular” e o “estímulo a atos concretos de violência”:
— O risco de colapso do Estado Democrático de Direito não se esgota na modalidade tradicional de ruptura golpista, estando presente previamente nas ações dolosas voltadas para a manipulação do sentimento popular em relação às instituições públicas, no estímulo de atos concretos de violência e no auxílio material ao convencimento de autoridades, tudo a incrementar o risco de um desfecho golpista.
O ministro destacou que, mesmo que alguns dos investigados não tenham utilizado a palavra “fraude” para falar sobre as urnas eletrônicas, houve a tentativa de colocar em xeque a lisura do sistema eleitoral.
— Não é preciso usar a palavra fraude quando se afirma, sem mínimos elementos probatórios consistentes, que havia, na visão equivocada e artificial dos acusados, erros graves nas urnas eletrônicas, que o resultado era incerto, que esses resultados favoreceriam um candidato em detrimento do outro.
Fux vê ‘opiniões pessoais’
Fux, por outro lado, voltou a divergir de Moraes, como já havia feito em setembro no julgamento do ex-presidente e outros sete réus do “núcleo crucial”. Ele defendeu a incompetência do STF para julgar o caso e votou para absolver todos os réus de todos os crimes.
Para o ministro, “diálogos particulares” e “opiniões estritamente pessoais” não são suficientes para levar a uma tentativa de golpe:
— Diálogos particulares sobre supostas fraudes nas eleições e seu possível impacto no cenário político-institucional, opiniões estritamente pessoais, genéricas, são manifestamente incapazes de exercer influência sobre os planos de atentado a autoridades ou manifestações que culminam em deterioração do patrimônio público.
Fux também declarou que punir pessoas por suas opiniões contra as urnas desincentiva a participação no debate democrático. O ministro usou a Venezuela como um exemplo:
— Esse risco de sanção afastará muitos cidadãos da sadia participação na arena democrática perderá com isso o nosso Estado Democrático de Direito, como demonstra esse abominável regime de alhures.
Fux ainda criticou a utilização do conceito do crime de multidão (multitudinário) para condenar pessoas que não estavam presentes nos atos golpistas do 8 de janeiro.
— A flexibilização do requisito da individualização das condutas para o recebimento da denúncia por crimes multitudinários está sendo utilizado para punir pessoas que não estavam presentes na manifestação, não sabiam que ela ocorreria nem contribuíram para sua ocorrência de qualquer forma.
Cármen cita papel de tecnologias
Cármen Lúcia, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que era preciso desacreditar a urna eletrônica:
— A desconfiança se constrói. A urna eletrônica, que vem sendo considerada algo no qual a eleitora, o eleitor brasileiro, acredita, precisava de ser desacreditada, inconfiável. Ela, portanto, o processo eleitoral, portanto, o resultado. E, claro, os juízes. Toda a ditadura faz a primeira coisa isso: rasgar a Constituição, prende os juízes e com isso silencia-se o Direito.
A ministra afirmou que a tecnologia facilita a disseminação de mentiras:
— As tecnologias contemporâneas facilitaram o poder de plantar este terreno, produzir novas formas de mutilação da própria da própria democracia. É como se tivesse uma inseminação artificial de mentiras que produzem um fruto da desconfiança, sustentam manifestações carentes de verdades factuais, de crença baseada em dados de realidade.
Gonet defendeu condenação
O julgamento começou na semana passada, com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pedindo a condenação dos sete pelos cinco crimes dos quais são acusados.
Já as defesas pediram a absolvição dos seus clientes, alegando que não há provas da participação deles nos fatos investigados, que a atuação foi técnica e que a acusação utilizou fatos isolados ou mesmo ilações.
Divisão de tarefas
Segundo a PGR, Ângelo Denicoli e Guilherme Almeida teriam contribuído para disseminar nas redes socias suspeitas infundadas contra as urnas, divulgadas pelo argentino Fernando Cerimedo.
Já Denicoli e Reginaldo Abreu teriam tentado interferir no relatório do Ministério da Defesa sobre a votação, que não encontrou fraudes, inclusive tentando incluir as informações divulgadas por Cerimedo. Os três militares negaram relação com o plano de golpe.
Carlos Rocha, por sua vez, é o presidente do Instituto Voto Legal (IVL), organização contratada pelo PL. O IVL elaborou o relatório que embasou uma ação do partido pedindo a anulação de mais da metade dos votos no segundo turno das eleições de 2022, apesar de ter sido alertado que a suspeita não procedia. Ele alega que sua conduta foi técnica.
Giancarlo Rodrigues e Marcelo Bormevet são acusados de fazer parte de uma estrutura paralela montada dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que incluiria uma tentativa de vincular ministros do STF à empresa responsável por fornecer urnas eletrônicas. Os dois afirmam que apenas cumpriram suas funções na agência.
Ailton Barros, por fim, é acusado de orientar ataques aos então comandantes do Exército (Marco Antônio Freire Gomes) e da Aeronáutica (Carlos de Almeida Baptista Junior) em represália por não terem concordado com a tentativa de golpe. Ele alega que as falas ocorreram em diálogos privados.
Outros núcleos
A PGR dividiu a acusação da trama golpista em cinco grupos. O primeiro, batizado de “núcleo crucial”, foi julgado em setembro, com a condenação de oito réus, incluindo Bolsonaro.
Em novembro, será analisado o núcleo três, formado por nove militares e um policial federal. Eles são suspeitos de planejar o sequestro do ministro Alexandre de Moraes. Em dezembro, serão julgados os seis integrantes do núcleo dois, acusados de gerenciar as ações da organização.
Também há uma denúncia contra o blogueiro Paulo Figueiredo Filho, que ainda não foi analisada.
Com informações da fonte
https://extra.globo.com/politica/noticia/2025/10/stf-forma-maioria-para-condenar-reus-envolvidos-em-grupo-responsavel-por-espalhar-fake-news-contra-eleicoes.ghtml
STF forma maioria para condenar réus envolvidos em grupo responsável por espalhar fake news contra eleições

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