Morte: ainda vamos nos encontrar

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Há algum tempo, venho matutando sobre a maneira com que as pessoas tentam fugir de realidades desagradáveis utilizando sinônimos que, aparentemente, amenizam a crueza das verdades da vida. 

Vejam vocês, ninguém mais fala que um ser querido morreu: “O meu pai faleceu há seis meses”, diz o filho, como se falecer fosse uma forma mais suave de morrer. 

Usar o verbo enterrar, jamais. O mesmo filho sempre usará o verbo sepultar: “O velho foi sepultado com muita pompa e circunstância”, dirá, sem se aperceber que os dois verbos têm o mesmo significado. Concretamente, enterrado ou sepultado, o velho foi colocado embaixo da terra, sozinho, para sempre. 

Pois é. Os humanos que, arrogantemente, se autoproclamam os únicos animais racionais, mostram porque a Inteligência Artificial é necessária ao, inutilmente, tentar se enganar no enfretamento e na aceitação do impossível de modificar: a morte. Não é naturalmente inteligente, pois não adianta querer enganar ou suavizar a maldita. Ela é a única coisa que sabemos que vai acontecer conosco, com nossos pais, nossos parentes, nossos amigos e inimigos. Inexoravelmente, ela chegará, de um modo ou de outro, mas com a mesma eficiência, fazendo desaparecer vidas. 

Vidas ainda jovens, vidas velhas já por demais vividas, ou outras – coitadas – ceifadas ainda como fetos ou embriões. Vidas de honestos, de salafrários, de machões ou de homossexuais. Pois bem, mesmo sabendo disso, sabendo que vamos morrer de qualquer jeito, seja no leito do melhor hospital, seja na sarjeta, ou – quem sabe? – na cama da (do) melhor amante, os indivíduos se dão ao trabalho de buscar sinônimos tentando amenizar o que não podem evitar. 

Mas, eu me pergunto, por que agir assim? Não seria melhor sermos educados para assumir a morte como um fato natural e comum, sem nada de excepcional, como de fato é? Afinal, ao nascermos já sabemos que, mais cedo ou mais tarde, iremos morrer. Possivelmente, com o imenso progresso científico, a medicina consiga adiá-la, mas jamais impedi-la. Por mais que a ciência permita prolongar a vida, em algum momento será assinado um atestado de óbito dizendo “falência múltipla dos órgãos”, ou seja, velhice.

Ao atingir 80 anos passei a pensar na morte com muita frequência, e acredito que, com ela a cada dia mais próxima, essa deve ser uma forma de aprender a não ter medo, apenas aceitar. Se a pessoa acredita em Deus agradece por ter vivido tanto. Se não acredita, não terá nada a perder. Diante disso, tem sido comum eu estar em algum lugar e pensar em usufruí-lo ao máximo porque aquela poderá ser a última vez, e aí surge uma dúvida gostosa: experimentar coisas novas ou repetir coisas boas?

Um amigo, intelectual de grande saber, já me disse que isso cheira a resignação, e eu respondi que não é resignação, é pragmatismo. E, pernóstico, acrescentei, conforme a concepção epicurista.

Outrossim, existe um caso em que o último suspiro não pode ser considerado natural. É o único caso em que considero a morte antinatural e, se poder tivesse, publicaria no Diário Oficial da União um Decreto definitivo:  

“A partir desta data fica terminantemente proibido aos filhos morrerem antes dos seus pais. Cumpra-se.”



Com informações da fonte
https://temporealrj.com/morte-ainda-vamos-nos-encontrar/

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