O Dia das Crianças nunca foi uma data marcante para Adriana Calcanhotto. Quando era pequena, a menina tímida achava o universo dos adultos muito mais interessante — e virar noites em claro parecia uma das melhores diversões do planeta.
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Filha de educadores, ela cresceu ouvindo o famoso “isso não é pra criança”, frase que só fazia aumentar sua vontade de logo ficar grande.
Só aos 39 anos, ao criar a persona Partimpim, a cantora e compositora descobriu o quanto a infância pode ser uma fase de pura brincadeira e arte.
O projeto voltado ao público infantil, que completa duas décadas, soma quatro álbuns recheados de experimentações lúdicas e releituras inspiradas de canções como Fico Assim Sem Você (Claudinho & Buchecha), Gatinha Manhosa (Roberto e Erasmo Carlos) e Ciranda da Bailarina (Chico Buarque e Edu Lobo).
“Vejo na plateia espectadores mirins que cresceram, alguns já têm até filhos. Os ‘partimpiners’ fazem parte de uma geração que amadureceu debatendo temas antes postos debaixo do tapete”, lembra a artista. “Tenho orgulho disso”, diz ela, que volta a se apresentar para o público infantil após quinze anos.

A turnê O Quarto no Palco, que estreia neste sábado (11) em Maceió, rodará mais dez cidades e vai misturar canções dos quatro discos com projeções de esculturas multicoloridas em LED do alagoano Mestre Jasson.
Aos sucessos atemporais se somam as recentes Malala (O Teu Nome É Música) e Atlântida, do álbum de 2024.
“As trilhas dos desenhos das décadas de 1950 a 1970, principalmente as da produtora Hanna-Barbera, que criou Tom e Jerry, Os Flintstones, Os Jetsons e Scooby-Doo, inspiraram os arranjos”, explica Marlon Sette, trombonista e diretor musical da turnê.
Um aperitivo do show foi exibido no festival Doce Maravilha, no fim de setembro, quando Adriana entrou no palco de capacete de astronauta e figurino que lembrava um edredom.
Entre trocas de adereços e brincadeiras com os músicos, seus parceiros de “algazarra”, à vontade, perguntou: “Tem criança na plateia?” e ouviu um “sim” entusiasmado de pais, filhos e avós que cantavam juntos os hits dos vinte anos de Partimpim.
“A ideia do repertório é dialogar com crianças de todas as idades e incluir assuntos que aprendem na escola, como a história de Malala Yousafzai. É preciso tratá- las com inteligência. Fico feliz de ser uma ponte que leva essas pautas à garotada”, fala a cantora.
Adriana da Cunha Calcanhotto nasceu em Porto Alegre, em 3 de outubro de 1965. Embora não lembre, o pai costumava contar que, por volta dos 3 anos, ela respondia “Adriana Partimpim” quando queriam saber seu nome.
A infância foi embalada por Braguinha e Chico Buarque e pelos livros infantis de Cecília Meireles e Manuel Bandeira.
Depois de dar os primeiros passos da carreira no Sul e em São Paulo, mudou-se para o Rio em 1989, onde assinou o primeiro contrato com uma gravadora.
Passados cinco anos, lançou o hino Cariocas, em que decreta — aliás com toda a razão — que quem nasce nestas praias não gosta de dias nublados.
Dona de uma discografia poética, de interpretações marcadas por assinatura e de um repertório que perpassa ritmos diversos, realizou em 2004 o desejo antigo de cantar para a meninada.
“Fui gravar com Hermeto Pascoal e ele levou uns bichinhos de plástico que emitiam som e bacias cheias d’água. Ali percebi que era possível mostrar, através do som e da estética, as tais músicas de adulto para as crianças”, relembra a gaúcha, que, desde Tlês (2012), o terceiro disco do projeto, vinha se dedicando a shows, discos com seu próprio nome e às aulas de composição e escrita na Universidade de Coimbra, em Portugal.
Desde Vinicius de Moraes e Toquinho até Pato Fu, a MPB nunca deixou de estabelecer um forte elo com a plateia infantil. Projetos que aproximam a música popular brasileira do universo das crianças estão no DNA da arte nacional.
Em 1972, a peça O Jardim das Borboletas, de André José Adler, teve trilha de Zé Rodrix e Taiguara — o vinil do espetáculo é hoje uma raridade disputada por colecionadores.
Na mesma década, vieram álbuns marcantes como Vila Sésamo (1974) e Os Saltimbancos (1977), com letras e melodias de Marcos Valle e Chico Buarque.
Já A Arca de Noé (1980), idealizada por Vinicius, e Aquarela, de Toquinho, foram trilha sonora da infância na década de 1980 — era impossível não tentar cantar junto enquanto se desenhavam arco-íris imaginários ou se encenavam aventuras com animais de papel pelo quarto. Em 2010, o Pato Fu reinventou o formato com Música de Brinquedo.
Essa tradição ajuda pais a apresentar o cancioneiro brasileiro aos filhos. O casal Thania Carvalho, 41 anos, e Itamar Cardin, 40, viajou de São Paulo ao Rio com a filha, Helena, de 7, apenas para assistir à pré-estreia de O Quarto no Palco, no Doce Maravilha. “É uma prática fundamental para aproximar os gostos dos pais aos das crianças”, avalia Itamar.

Um fator essencial para encantar ouvidos em etapa ainda inicial da vida tem a ver com a educação sonora e sua comprovada capacidade transformadora, que se estende além de palcos e discos, despertando a curiosidade e abrindo horizontes para todas as idades.
Segundo mapeamento da instituição Brasil de Tuhu, em parceria com a JLeiva, o Rio é o vice-campeão no país de projetos voltados para treinar ouvidos e cultivar o gosto pela música, atrás apenas de São Paulo.
Fora das escolas regulares, foram rastreadas 41 iniciativas — 17% do total no Brasil.
Aos 28 anos, Bruna Batista, professora de música desde os 16, leciona atualmente na unidade de Realengo do Colégio Pedro II e percebe um sintoma bem contemporâneo nas crianças — os efeitos do excesso de telas, algo que a música contribui para neutralizar.
“Trabalho com alunos de 6 a 11 anos, uma faixa etária curiosa, em que o conhecimento se constrói pela brincadeira. Noto neste grupo uma dificuldade de concentração, sono e socialização, o que prejudica o aprendizado”, observa. “Ir a peças e shows ajuda a afastar a criançada do celular e dar asas à criatividade”, enfatiza.
No teatro, essa conexão entre arte e aprendizado floresce de forma natural e prazerosa. Cientes do poder do palco, o diretor artístico Diego Morais e o dramaturgo Pedro Henrique Lopes criaram, em 2013, o projeto Grandes Músicos para Pequenos, que ganhou projeção ao homenagear ícones da MPB — Milton Nascimento, Elza Soares, Luiz Gonzaga e Elis Regina, entre outros.
Ao longo de doze anos, já foram apresentados oito musicais para cerca de 400 000 espectadores numa jornada que rendeu até agora quinze troféus e sessenta indicações a prêmios.
“A potência e a diversidade da nossa música encantam, mas o desafio é prender a atenção das crianças com arranjos, figurinos e cenários pensados para os olhos delas. Se não mergulham com a gente, em três segundos perdemos sua atenção”, constata Lopes, referindo-se à onipresença das telas.
O novo espetáculo da série, Ritinha Rock’n’Roll, estreia na EcoVilla Ri Happy, no dia 18, celebrando Rita Lee. “É importante assistir a espetáculos que vão além do entretenimento. O público infantil é sensível e inteligente, não pode ser subestimado. Além disso, quem é incentivado a consumir arte na infância tende a frequentar o teatro na adolescência e na vida adulta”, ressalta Aniela Jordan, gestora do espaço no Jardim Botânico.



Com base nos estudos do pediatra e psicanalista britânico Donald Winnicott (1896-1971), as pesquisadoras da Universidade Franciscana (RS) definem o ato de brincar como o “caminho de relação entre a pessoa e o mundo, carregado de criatividade e espontaneidade, constituindo um aspecto natural do ser humano”, no artigo acadêmico “O brincar na fase adulta: um olhar winnicottiano”.
O excesso de trabalho, adicionado às costumeiras preocupações cotidianas, leva os adultos, em alguma medida, a buscar maneiras de seguir brincando, o que pode ter desdobramentos positivos e para lá de sérios.
Pular carnaval fantasiado, jogar videogame, colorir livros ou até colecionar bonecos (olha os Bobbie Goods e os Labubus aí) podem ser, por que não?, uma trilha para amenizar a tensão e cuidar da saúde mental.
Em conversa com VEJA RIO, Adriana esclareceu que Calcanhotto e Partimpim responderiam juntas às perguntas da entrevista. “Eu brinco. De fazer música”, diz ela, que volta a se apresentar no Rio com a turnê em 15 de novembro, no Brava Arena Jockey.
Se depender de Partimpim e da MPB, a magia do 12 de Outubro seguirá bem viva para a criançada.
Discoteca básica – Clássicos da nossa música para apresentar para a garotada
O Jardim das Borboletas (1972). Com composições de Zé Rodrix (1947-2009), Taiguara (1945-1996) e Eduardo Souto Neto, o LP apresenta a trilha sonora da peça de mesmo nome, de André José Adler. As músicas narram acontecimentos do espetáculo e falam sobre personagens como o Grilo, o Girassol e a Borboleta.
Os Saltimbancos (1977). Inspirada no conto Os Músicos de Bremen, dos irmãos Grimm, a peça tem texto original do italiano Sérgio Bardotti (1939-2007) e música de Luis Enriquez Bacalov (1933-2017). No Brasil, a adaptação ficou a cargo de Chico Buarque. O LP inclui faixas que atravessam gerações, como Bicharia e História de uma Gata.
A Arca de Noé (1980). Com time diverso que incluiu Marina Lima, As Frenéticas e Fábio Jr., o disco tem capa assinada por Elifas Andreato (1946-2022) e composições de Vinicius de Moraes (1913-1980) e parceiros. O especial para TV baseado no disco foi a primeira obra televisiva brasileira a ganhar um prêmio Emmy.
Adriana Partimpim (2004, 2009, 2012, 2024). Em quatro volumes, a gaúcha apresenta a diversas gerações músicas de artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque, Marisa Monte e Arnaldo Antunes, além de canções próprias, criadas especialmente para os álbuns voltados para crianças de todas as idades.
Música de Brinquedo (2010). Lançando mão de instrumentos infantis, a banda mineira Pato Fu criou versões de clássicos de Roberto e Erasmo Carlos (1941-2022), Titãs e Tim Maia (1942-1998). Os shows contavam com personagens do grupo Giramundo de teatro de bonecos, também de Minas Gerais.
Sem contraindicação – Os benefícios da musicalização na educação infantil
- Aumento da atenção e concentração
- Desenvolvimento da coordenação motora
- Aprimoramento das linguagens verbal e não verbal
- Estímulo à criatividade e à imaginação
- Fortalecimento da memória auditiva
- Desenvolvimento da socialização
- Aperfeiçoamento do senso rítmico
- Contribuição para a autoestima
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Com informações da fonte
https://vejario.abril.com.br/programe-se/mpb-para-criancas/