O acordo que o governo do estado está prestes a fechar, e que fará a Cedae dar descontos no fornecimento de água à Águas do Rio — por causa da diferença entre a cobertura da rede de saneamento informada no edital de concessão e a realmente existente — deixou deputados da Assembleia Legislativa de cabelo em pé.
A medida, que deve gerar um prejuízo de R$ 900 milhões à Cedae, foi comunicada pelo governador Cláudo Castro (PL), numa reunião de emergência — tão inesperada que foi realizada de forma online — na noite desta sexta-feira (03).
“Foi uma notícia bombástica, ainda mais dada numa reunião dessas, anunciada de sexta para sábado. Fui surpreendido, principalmente pelo valor estratosférico. Todos lembram que, ao falar das comemorações pelos 50 anos da Cedae, o governador anunciou o lucro de R$ 1 bilhão. Pois agora, ele está dando de presente à Cedae a inviabilidade de continuidade da companhia”, disse Luiz Paulo, o líder do PSD na Alerj.
Para o deputado, acordo sobre a Cedae foi tocado ‘no sapatinho’
Luiz Paulo, conhecido por acompanhar a execução orçamentária do estado com lupa, disse estranhar a forma como este acordo foi tocado “no sapatinho”.
“O Tribunal de Contas foi informado sobre isso? Com certeza, não. Ninguém sabia. Há uma semana, recebi o presidente do sindicato dos trabalhadores da Cedae. Ele não sabia. Nem eu”, disse o deputado.
Psolista planeja pedir a instalação de CPI
O deputado Yuri Moura, do PSOL, é um dos que pensa em investigar o caso a fundo, com a instalação de uma CPI.
“O Estado do Rio não pode pagar pela incompetência de um governo. A Cedae perder cerca de R$ 900 milhões ou o consumidor ter um aumento de até 7% é absurdo e fere princípios da administração pública. Tudo isso, sem transparência, aprovado em uma reunião de emergência? Lembro ainda que a Águas do Rio deve 800 milhões em investimentos para a Cedae. É injustificável! Cláudio Castro está cavando o mesmo caminho que Witzel: o impeachment!”, protesta.
Luiz Paulo concorda.
“É responsabilidade do parlamento o controle externo na administração pública”, disse.
O deputado Alan Lopes (PL) disse ter ficado chocado ao saber do teor da reunião.
“O que está acontecendo com a Cedae é um escândalo! Um parecer totalmente direcionado, frágil e sem base técnica alguma está sendo usado para beneficiar a concessionária Águas do Riol. Meu gabinete já está preparando novos ofícios com questionamentos e solicitação de esclarecimentos à Agenersa e a Cedae. Vou até o final pra garantir que haja luz sobre esta inacreditável situação”, disse.
Alan Lopes também protestou contra a forma como a reunião foi realizada.
“Ontem à noite, às nove horas, a diretoria da CEDAE foi obrigada — sob ameaça de demissão — a aprovar uma redução de mais de 24% nas tarifas das concessionárias Águas do Rio 1 e 4. Estamos falando de um rombo de cerca de R$ 1 bilhão! E tudo isso para ser chancelado pelo Conselho de Administração, às pressas, por e-mail, já na próxima segunda-feira”, reclamou.
Valor devido compensaria perda
Alan Lopes também lembra que, em processo anterior, a Águas do Rio havia alegado prejuízo de aproximadamente R$ 800 milhões, causado pela tarifa social e por um reequilíbrio de preços. E que, na época, a Cedae já deu um desconto referente a esse valor, como forma de compensação temporária.
Posteriormente, uma decisão judicial concluiu que a Águas do Rio não tinha direito ao reequilíbrio, pois a tarifa social já estava prevista no edital do leilão. E, com isso, ficou acordado que a concessionária deveria executar R$ 800 milhões em obras para compensar o valor.
Alan lembra que a Cedae enviou a listagem das obras à Águas do Rio, mas que nenhuma delas foi executada até hoje. Na sua opinião, a concessionária ainda deve R$ 800 milhões à Cedae — valor que poderia inclusive ser corrigido monetariamente.
Diferença entre o prometido e o real
A Águas do Rio alega ter encontrado uma variação maior que 18,5% entre o percentual efetivamente existente de cobertura e o panorama apresentado no edital de licitação. Os dados que basearam a concessão foram fornecidos pela Cedae.
Em dezembro de 2024, quando pagou a última parcela da outorga, a concessionária levou a questão diretamente ao governo do estado. E foi feito então um acordo: caso o erro fosse confirmado, a Águas do Rio teria o direito a um aumento tarifário de 7% no bloco 4, e 5% no bloco 1, já no reajuste previsto para dezembro de 2025.
Neste meio tempo, o próprio estado, por meio da Secretaria estadual do Ambiente, ao produzir um documento público para basear a concessão do ICMS Verde, confirmou existência de uma diferença na cobertura. De acordo com o estudo, o edital estaria mesmo errado.
Diante do impasse, a Agência Reguladora dos Serviços de Énergia e Saneamento Básico (Agenersa) — que estava com seus técnicos na rua para também confirmar a existência da divergência — instaurou uma mediação. Para evitar que a responsabilidade pelo erro — que é da Cedae — recaísse sobre os consumidores, ou que a concessionária tivesse que atrasar o cronograma de investimentos, o governo então decidiu que a estatal dará o desconto no fornecimento de água à Águas do Rio — assumindo o prejuízo.
A Agenersa fez um parecer jurídico informando que não existem impedimentos para que o acordo seja firmado.