O reencontro de Drica Moraes e Enrique Diaz (Kike) na peça “Férias” é, por si só, um presente ao público. Escrita por Jô Bilac e dirigida por Débora Lamm e Enrique, a montagem está em cartaz no Teatro Claro Mais, até domingo (28/09).
Drica e Kike — que substitui Fábio Assunção, em compromisso de filmagem — são amigos de longa data, parceiros de trajetória e cofundadores da Cia. dos Atores. Não dividiam o palco há anos. O retorno dessa parceria transforma “Férias” em muito mais do que uma peça: é uma celebração de cumplicidade, maturidade artística e, sobretudo, amizade.
A trama parte de uma situação aparentemente banal: um casal comemora 25 anos de casamento com um cruzeiro dado pelos filhos. Mas, ao se libertarem da rotina, revelam fantasias, contradições e um jogo de espelhos entre passado e presente. Os jovens de antes, agora adultos atarefados e cansados do cotidiano, expõem tanto suas concessões apáticas quanto a vitalidade de um amor ainda vivo.

Se a dramaturgia já oferece um fio condutor envolvente, a montagem ganha força pela química irresistível do elenco. A parceria entre Drica, Diaz e Débora é palpável, sustentando um entrosamento raro. Drica, em especial, brilha com um timing cômico preciso — sua capacidade de extrair humor do cotidiano é uma joia rara, que faz rir sem jamais perder a profundidade.
O cenário de Dina Salem Levy funciona quase como uma instalação, favorecendo a movimentação e a exploração criativa do corpo. Já os figurinos de Antonio Medeiros, neutros, se transformam com os “aventais” que se adaptam a cada situação (nudez, biquíni) e com os objetos de cena, reforçando a versatilidade da encenação.

Mais do que uma comédia, “Férias” equilibra humor e reflexão. Entre risadas, surgem ecos de perdas, tristezas e a inevitável passagem do tempo. Como resume Lamm: “A peça faz rir enquanto filosofa sobre vida e morte, a idade, as relações”.
No fim, o espetáculo é também uma metáfora do próprio teatro: um espaço de fuga, prazer e encontro. Um convite para, por algumas horas, deixar as preocupações do mundo lá fora e embarcar em uma viagem de riso e cumplicidade.
Conversei com Drica sobre a peça, a maternidade e os tempos atuais.
1 – Como surgiu a ideia da peça?
Eu queria fazer uma comédia. Liguei para o Jô Bilac, que acho um dos maiores autores contemporâneos. O Jô disse que não sabia fazer comédia. Insisti. Ele contou que acabava de voltar de uma viagem de férias que deu tão errado que ele se separou. Aí pensamos: vamos partir dessa premissa — um casal sai de férias e dá tudo, tudo errado, mas eles continuam juntos. Eles se gostam, gostam da vida, gostam de se divertir. São um casal desses que dão certo na vida. É isso.
2 – Como é ser mãe de adolescente hoje (Mateus Schmidt, de 16 anos)?
É lasqueira. Eu andava de ônibus, de madrugada, sem celular. Minha mãe tinha cinco filhos e não sabia nem onde a gente estava. Hoje em dia eu tenho que botar aplicativo para saber onde ele está, esperar chegar. Sou dessas mães que esperam, que dão aquela olhada, gostam de abraçar, conversar, beijar, sentir o filho. É conviver um pouco com esse medo frequente e, ao mesmo tempo, confiar no seu filho — que é o básico. Muita conversa, muito beijo, muito abraço.
3 – “Férias” mostra que o amor pode se renovar até nas situações mais inusitadas. Existe receita?
Acho que o humor nos ajuda em tudo. É uma ferramenta de distanciamento e, ao mesmo tempo, de grande lucidez. A pessoa se observa com muita verdade, sem entrar no drama, no sofrimento. Admitir que está certo, errado, rir de si mesmo. Em uma relação de longo prazo, isso é fundamental. O humor salva casamentos, relações de pai e filho, entre amigos, no trabalho. O humor salva sempre.
4 – Quem você levaria a um cruzeiro? E quem deixaria em uma ilha qualquer?
Eu levaria um bom namorado, de bom caráter, para uma ilha deserta — desde que tivesse um helicóptero para, a qualquer momento, poder ser içada e sair de lá. Eu deixaria lá pessoas fascistas, que representam o pior da representatividade política de extrema-direita. Deixaria todos.
