O uso de inteligência artificial e equipamentos para mapeamento digital de prédios e casas de favelas no Rio, aplicados no planejamento de políticas públicas, começa a apresentar seus primeiros resultados na cidade. Parceria da prefeitura com o Senseable City Lab — grupo de pesquisa que estuda a interface entre cidades, população e tecnologia ligado ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts —, o projeto concluiu o mapeamento de parte da Favela do Vidigal, na Zona Sul da cidade.
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As informações, que passam agora por uma revisão do MIT, poderão orientar a prefeitura na programação de intervenções como obras de contenção de encostas, melhorias nas condições de moradia e planejamento das equipes de saúde para prevenir e tratar doenças como a tuberculose.
15,8 mil metros quadrados
O trecho escolhido para o estudo partiu da Rua da Felicidade, no alto da comunidade. Os técnicos mapearam 15,8 mil metros quadrados e 840 metros de vias internas, incluindo ruas estreitas próximas a encostas.
— Essa proposta tem parceria com líderes da comunidade que ajudaram a definir as áreas. A partir dos pontos definidos é gerado um modelo 3D preciso do ambiente, que mapeia ruas, edifícios, encostas e vazios. É semelhante à criação de um gêmeo digital (twin city) da localidade — explicou o italiano Carlo Ratti, diretor do Senseable City Lab e curador da atual edição da Exposição Internacional de Arquitetura de Veneza, que participou ontem de uma exposição sobre o programa no Centro de Operações Rio (COR).
Vista da favela do Vidigal feita com drone
Custódio Coimbra
O arquiteto, que exibiu imagens do estudo em Veneza, explicou que esse tipo de tecnologia, conhecida como LiDAR, é mais preciso do que imagens geradas por satélite ou fotos aéreas, que não conseguem reproduzir ruas e vielas mais estreitas. A técnica só digitaliza construções e exclui moradores. As informações ficam armazenadas na nuvem, em um banco de dados que pode ser compartilhado. A secretária municipal de Ciência e Tecnologia, Tatiana Roque, destaca que esse mapeamento é importante e tem várias aplicações. A versão digital permite testar cenários e planejar intervenções
— Um dos principais objetivos é ajudar a preparar essas regiões para os efeitos das mudanças climáticas, analisando os efeitos das soluções nesse gêmeo digital — observou a secretária.
O convênio com a prefeitura tem a duração de três anos, e novas intervenções estão em fase de planejamento. A próxima etapa começa na segunda quinzena de outubro, agora em uma comunidade plana. Os pesquisadores vão fazer um novo estudo sobre o microclima do Complexo da Maré, para complementar trabalho similar realizado em 2023. Serão levantados dados sobre calor, umidade e poluição por meio de 16 sensores programados com código livre criado pelo MIT e produzidos pela Casa Firjan.
Outro projeto ainda sem data prevê uma pesquisa sobre a circulação de ar e a exposição dos moradores do Vidigal aos raios ultravioleta. A tecnologia adotada também servirá para a geração de informações sobre a cidade a ser encaminhada para as Naves do Conhecimento .
Essa não foi a primeira experiência da instituição em territórios cariocas. Em 2021, o MIT divulgou imagens feitas na Rocinha que se tornaram o núcleo do Projeto Favelas 4 D. Dois pequenos trechos daquela comunidade foram mapeados como parte de um trabalho acadêmico feito entre 2019 e 2020 pelo arquiteto e urbanista Washington Fajardo. Na época, Fajardo fazia uma especialização em planejamento urbano pela Escola de Design da Universidade de Harvard (EUA) e se propôs a mostrar como essas tecnologias poderiam ser adotadas na prática em uma comunidade adensada como a Rocinha, a maior favela do país, segundo dados do Censo 2022.
‘O futuro das favelas é a integração’
Trabalho de campo. O arquiteto italiano Carlo Ratti, do Senseable City Lab, com o Vidigal ao fundo: projeto para o futuro
Gabriel de Paiva
As frequentes vindas ao Brasil do arquiteto italiano Carlo Ratti, que dirige o Senseable City Lab, do MIT, o tornaram conhecido na no Vidigal, alvo de estudos da instituição. Nessa entrevista, ele detalha como a tecnologia pode ser empregada pelas cidades para melhorar o planejamento urbano e a qualidade de vida da população.
Além do Rio de Janeiro , poderia citar outras parcerias do Senseable City?
A proposta é usar a tecnologia para que integração não seja apenas física, mas também social e econômica. Em Cingapura usamos dados de mobilidade que foram anonimizados para entender padrões de movimento pela cidade, o que ajudou a melhor a conectividade da cidade . Em Amsterdã criamos um programa para facilitar a navegação de barcos nos canais. Mas no Rio é diferente. Esta é a primeira vez que essas ferramentas estão sendo implantadas em larga escala em assentamentos informais. Isso deverá se tornar uma referência global.
Como o senhor vê o futuro das das favelas do Rio?
O futuro está na integração, não no isolamento As favelas não são problemas a serem resolvidos, são partes vibrantes e em evolução que merecem a plena inclusão. Com ferramentas de mapeamento, podemos fornecer os dados para que essas comunidades se integrem de forma mais eficaz.
Como essa tecnologia costuma ser usada?
Podemos ajudar nas intervenções urbanas, planejando onde novas moradias ou ruas podem ser implantadas, evitando a proximidade com encostas instáveis, planejando infraestrutura para aquilo que os moradores realmente precisam. Por isso, a comunidade precisa ser envolvida profundamente nas discussões, para que os investimentos públicos estejam alinhados com essas demandas. O que o diferencia de outros projetos é ser colaborativo.
No caso do Rio, como esse programa é financiado?
As parcerias são com a prefeitura,o setor privado, incluindo a Firjan, e institutos de pesquisa. O projeto é modular, o que significa que podemos ampliá-lo ou reduzi-lo dependendo dos recursos disponíveis e das prioridades da comunidade. O que importa é o retorno , muito maior que o custo: dados melhores levam a planejamento mais eficiente, inclusivo e seguro.
Que recursos estão sendo usados no mapeamento digital do Vidigal?
Usamos de tudo, desde escâner com tecnologia LiDAR (que usa feixes de luz de laser para medir distâncias e criar mapas tridimensionais) até algoritmos de aprendizado de máquina. Complementamos os dados com imagens do Google Street View, informações de GPS e plataformas abertas como OpenStreetMap e dados públicos de satélites.
Que vantagens existem no emprego do LiDAR?
Ao contrário de câmeras, o LiDAR não captura imagens pessoais— apenas mapeia estruturas físicas—, portanto a privacidade dos moradores é garantida. Isso permite a criação de modelos altamente detalhados de “nuvem de pontos” de ambientes urbanos complexos, como favelas.
O Rio é candidato a obter empréstimos federais para obras nas favelas da Rocinha e do Alemão. Como essa tecnologia ajudaria?
O mapeamento digital é uma forma de garantir que investimentos, como o empréstimo, sejam guiados por dados do mundo real. No início dos anos 2000, Medellín (Colômbia) foi pioneira em intervenções urbanas em áreas informais, enviando uma mensagem importante para o mundo: as favelas devem ser vistas como partes essenciais de uma cidade maior. Mas a tecnologia da época não permitia um detalhamento de forma tão eficaz. Com ferramentas como o LiDAR podemos ir mais longe.
Além de projetos no Vidigal e na Maré, quais os serão próximos passos?
O convênio ainda está em seu estágio inicial. Queremos construir um modelo replicável para outras comunidades. Nossa visão a longo prazo é mais ampla: usar essa experiência e replicá-la não só em outras cidades brasileiras como em outros países.
Com informações da fonte
https://extra.globo.com/extra-favelas/noticia/2025/09/parceria-entre-prefeitura-do-rio-e-o-mit-vai-guiar-politicas-publicas-na-favela-do-vidigal.ghtml
Parceria entre Prefeitura do Rio e MIT vai guiar políticas públicas na Favela do Vidigal

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