Ao transformarem Charlie Kirk em mártir, conservadores veem no assassinato uma chance de impulsionar seus valores nos EUA

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Apoiador presta homenagem em memorial ao ativista conservador Charlie Kirk, morto em um ataque no estado de Utah — Foto: Melissa MAJCHRZAK / AFP


O vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, acompanhou o translado do caixão de Charlie Kirk no “Air Force Two”. Enquanto isso, milhares de pessoas em todo o país se reuniram em vigílias à luz de velas. Uma republicana pediu que ele pudesse ser enterrado no Capitólio, o Congresso americano, “com honra”. Os gestos evidenciam não apenas a forma como os conservadores passaram a enxergar Kirk como mártir, mas também a crença de que seu assassinato pode ser capaz de consolidar os valores conservadores na vida americana pelas próximas décadas.

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— A morte de Kirk libertou o dragão — disse o pastor Luke Barnett na Dream City Church em Phoenix, onde Kirk organizava os eventos mensais “Noite da Liberdade na América”. Ele se dirigiu especificamente aos jovens. — É hora de vocês se levantarem por causa do que aconteceu com Charlie Kirk. Eu consigo imaginar, agora mesmo, 10 mil Charlie Kirks mobilizando campi universitários por todos os Estados Unidos, proclamando a verdade de Jesus Cristo. Agora, quem vai ocupar o lugar dele? — pontuou, acrescentando que “não foi um momento apenas de luto, mas de oportunidade”.

Menos de uma semana após Kirk ter sido morto a tiros em um evento na Universidade de Utah Valley, a raiva e a tristeza continuam vivas para muitos em todo o país, e é difícil prever o impacto político de longo prazo da morte em meio a um clima altamente tenso.

O governador de Utah, Spencer Cox, disse que o suspeito pelo assassinato tinha uma “ideologia de esquerda” e também mantinha um relacionamento romântico com uma parceira que estava em processo de transição de homem para mulher. Cox, falando no programa “Meet the Press” da NBC, descreveu o suspeito, Tyler Robinson, como um “jovem muito normal” que parecia ter se “radicalizado” algum tempo depois de abandonar a faculdade e voltar para sua cidade natal no sul de Utah, onde passou os últimos anos.

O movimento que ele liderou, o Turning Point USA, pode levar mais tempo para tomar forma sem ele. Mas muitos dos aliados de Kirk prometeram assumir seu comando e expandir o alcance de suas convicções.

— É isso que acontece quando você transforma alguém em mártir: você encoraja todos que compartilham das mesmas crenças — disse Allie Beth Stuckey , uma escritora e podcaster cristã conservadora, que ofereceu tanto um elogio a Kirk como um amigo quanto uma condenação de seus críticos. — Charlie e a verdade que ele representa vão se espalhar cada vez mais, como nunca.

Em meio ao impacto do assassinato, agora também há preocupações de que sua morte seja usada para atingir organizações democratas, valores liberais e instituições que já estão sob cerco.

— O país inteiro está prendendo a respiração, imaginando o que pode acontecer — disse Will Creeley, diretor jurídico da Fundação pelos Direitos e pela Liberdade de Expressão. — Não creio que nenhum dos dois partidos tenha noção sobre o que vai acontecer daqui pra frente. Eu com certeza não tenho. Só espero que seja pacífico.

A organização apartidária de Creeley alertou para o risco de que uma campanha online vingativa resulte na repressão à liberdade de expressão de pessoas que comemoraram a morte de Kirk ou criticaram suas ideias nas redes.

Outras figuras foram apontadas pelos conservadores como símbolos do que consideram perseguição ou fracassos da política liberal. A família de Ashli ​​Babbitt, veterana da Força Aérea e manifestante do dia 6 de janeiro, que foi morta por um policial do Capitólio naquele dia, recebeu recentemente honrarias em seu funeral.

Na semana passada, o bilionário Elon Musk prometeu ajudar a financiar murais em todo o país em homenagem a Iryna Zarutska, a jovem ucraniana morta dentro de um trem na Carolina do Norte. E a fuga por pouco do presidente americano, Donald Trump, de um tiro fatal no ano passado foi um momento decisivo durante sua campanha de reeleição.

Mas o assassinato de Kirk em um campus universitário, visto por muitos cristãos conservadores como um ato de maldade bíblica, está prestes a superar tudo isso. Para alguns conservadores, há uma firme convicção de que a morte do fundador do Turning Point USA possa impulsionar a mudança geracional para a direita que ele tanto trabalhou para fomentar em vida.

‘Um verdadeiro mártir americano’

Embora Kirk tenha defendido diversas posições sobre gênero, controle de armas e raça, entre outras questões, ele discursou em nome de muitos evangélicos conservadores em todo o país e é reconhecido por ajudar a atrair muitos eleitores jovens, especialmente homens, para apoiar Trump. Alguns membros do gabinete do presidente estavam entre os que se reuniram para uma homenagem no Kennedy Center, no domingo.

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— Acho que ele é um verdadeiro mártir americano — afirmou Carson Carpenter, recém-formado pela Universidade Estadual do Arizona que conheceu Kirk enquanto era presidente do College Republicans da instituição. Para ele, a influência de Kirk “permanecerá por muitas gerações, no movimento conservador, mas também em todos os Estados Unidos”.

Já há indícios de que a raiva e a determinação geradas pelo assassinato podem levar a uma mudança mais definida. Nas redes sociais, apoiadores de Kirk e integrantes da Turning Point têm compartilhado relatos sobre um interesse renovado nas crenças de Kirk ou dúvidas de pessoas sobre como voltar a frequentar a igreja depois de anos afastadas.

O Turning Point viu um aumento no interesse do público. Em um período de 48 horas, segundo um porta-voz, a organização recebeu mais de 32 mil consultas sobre a criação de uma nova filial. A organização, segundo Carpenter, conta atualmente com cerca de 3.500 filiais em campi de ensino médio e universitário.

— Sabemos que nossas vozes são importantes. Charlie Kirk não tem mais permissão para falar, mas nós ainda podemos — disse RaeAnna Morales, de 20 anos, diretora de mídia do College Republicans da Universidade Vanderbilt e uma das alunas interessadas em iniciar uma filial.

Usando o domínio do site fightforcharlie.com, a Turning Point USA anunciou um evento em memória a ele em 21 de setembro, no Arizona. O grupo prometeu que “seguiremos em frente juntos, lutando com mais afinco, nos mantendo firmes e nos recusando a nos render”. A organização também começou a vender camisetas em memória a ele, com os votos de “nunca nos rendermos” ou combinando um desenho de Kirk com a frase “este é o nosso ponto de virada”.

Alguns funcionários conservadores e apoiadores de Kirk chegaram a comparar seu assassinato às mortes de Sócrates ou do Rev. Dr. Martin Luther King Jr., embora o influenciador tenha chamado King de ” bandido ” e declarado a Lei dos Direitos Civis “um erro”. A filha de King, Bernice King, também rejeitou as comparações com seu pai.

Matthew Boedy, professor de inglês na Universidade do Norte da Geórgia que escreveu sobre Kirk e sua trajetória conservadora, disse que, quando soube do assassinato, ficou abalado pelo ato horrível.

— Eu soube naquele momento que nossa nação havia cruzado os limites — disse.

Boedy, que foi colocado na lista elaborada pela Turning Point USA de “professores que promovem uma agenda radical”, disse que o martírio político pode ter um efeito distinto, especialmente sobre aqueles que discordam.

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— Honrá-lo dando-lhe um título religioso como esse é uma coisa. Sugerir que eles vão seguir a agenda dele e empurrar — digamos, transformar — a América na cultura cristã que ele queria talvez seja uma atitude antidemocrática — explicou o professor.

Mas esse senso de missão é devastador para os seguidores de Kirk, especialmente para a geração mais jovem que ele ajudou a atrair para o evangelismo conservador. Para alguns, ele representa a perda mais significativa de uma figura pública.

— Não há mais espaço para um cristianismo apático — disse Abigail DeJarnatt, fundadora da Counteract USA, uma organização cristã sediada no Arkansas. Desde a morte de Kirk, ela disse ter recebido várias mensagens sobre como se envolver mais, tanto politicamente quanto no trabalho de evangelização.

— Não há mais opção para os cristãos ficarem apenas sentados à margem. A margem acabou. O mundo precisa de Jesus, e cabe a nós falar sobre ele — afirmou.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/09/15/ao-transformarem-charlie-kirk-em-martir-conservadores-veem-no-assassinato-uma-chance-de-impulsionar-seus-valores-nos-eua.ghtml

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